Os funerais da máfia

Até parece coisa de filme. E a coincidência maior é que aconteceu lá no país de Hollywood. Tudo começou com uma rotineira investigação sobre as atividades da máfia de Nova York. No cardápio, o FBI tinha o de sempre: exploração da prostituição, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, extorsão, peculato, estelionato, agressões e assassinatos. Coisa para gângster nenhum botar defeito.

As atividades criminosas eram todas monitoradas pela competente polícia americana, que esperava a hora certa para dar o bote e deitar a mão naquela súcia. Mas uma coisa intrigava os policiais: o que a máfia fazia com os corpos dos desafetos? Eles existiam e aos montes. Muita gente caía em desgraça com a máfia, desde um vizinho xereta até um policial honesto ou um promotor idealista. Eles simplesmente desapareciam. É certo que todos os indícios apontavam para a morte dos infelizes, mas os corpos não eram encontrados.

E olha que é difícil fazer um corpo sumir em Nova York. Existem muitos mecanismos de controle e todo um rito burocrático para se liberar um corpo, sobretudo quando a morte não ocorre em condições, digamos, naturais. Coisas de primeiro mundo. Enfim, a polícia fazia varreduras em todo sistema e nada dos defuntos.

Até que um dia o mistério se desfez. Os americanos ficaram chocados quando descobriram que os inimigos da máfia não só eram assassinados, como estavam sendo legalmente enterrados, com direito a caixão e todos os ofícios fúnebres. Quem deu o serviço foi um dos chefões da máfia navaiorquina quando o cerco da lei se fechou sobre ele. Em troca de comutação de parte da pena, o capo contou aos embasbacados policiais que os inimigos da máfia eram executados e levados a um dos inúmeros esconderijos da organização. Depois, os bandidos checavam no serviço funerário, a lista de falecimentos do dia na cidade. Escolhiam um dos mortos oficiais e faziam contato com a família, geralmente pobre, se oferecendo para bancar o funeral.

No começo o pessoal ficava meio ‘assim‘, mas o relações-públicas da máfia sempre conseguia convencer os enlutados e num instante providenciava coroas de flores, roupas, maquiagem do defunto, tudo de primeira. E, claro, o caixão. Este era especial: tinha um fundo falso. O andar de baixo era reservado ao inimigo da máfia e no andar de cima ia o morto ‘laranja‘, por assim dizer. A família do morto ‘laranja‘ ficava emocionadíssima. Estranhava um pouco como o morto ficava pesado, mas o requinte das exéquias não dava margem para contestação.

Usando mortos ‘laranjas‘, os mafiosos de Nova York fizeram ‘desaparecer‘ dezenas de pessoas bem debaixo do nariz da polícia, mostrando uma sofisticação tática impressionante. O fato mudou o paradigma da polícia dos EUA, sobretudo daqueles que pensavam que a máfia ainda se livrava de pessoas alheias aos seus interesses fazendo-as calçar sapatos de concretos para ‘nadar‘ no Rio Hudson. Os criminosos provaram que isso é coisa de filme B.

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.