Transtorno afetivo bipolar também atinge os homens

“Primeiro você me azucrina, me entorta a cabeça, me bota na boca um gosto amargo de fel. Depois vem chorando desculpas, assim meio pedindo, querendo ganhar um bocado de mel (…), e eu vou perguntando: até quando?”.

O trecho pertence à canção Grito de Alerta, composta por Gonzaguinha, e é muitas vezes considerada a trilha sonora de casais em crise. Mas, analisando mais a fundo, é possível sentir na pele a angústia de uma mulher que ama um homem cujo comportamento muda de uma hora para outra. Como se fosse tomado pela bipolaridade.

“É comum algumas pessoas acharem que o transtorno afetivo bipolar é mais comum em mulheres”, relata o psiquiatra Amaury Cantilino. No entanto, os homens também podem ter a doença.

O problema é que, geralmente, o homem não procura se consultar com um médico tanto quanto a mulher, então, muitos possuem problemas sérios e nem desconfiam que possam ser portadores de transtorno bipolar. “Uma coisa é certa: sem o tratamento adequado, a felicidade do casal fica comprometida”, alerta o médico.

Como saber se o parceiro é bipolar?  Primeiro, é preciso identificar os sintomas da enfermidade no comportamento dele. A forma clássica do transtorno atinge em torno de 1,5% da população mundial e se divide em dois tipos: o tipo I, que apresenta toda a amplitude de variação do humor, da mania plena à depressão grave, e atinge igualmente a homens e mulheres; e o tipo II, que é o mais prevalente na população geral, é mais frequente em mulheres e apresenta a depressão como a fase mais predominante.

Altos e baixos

Segundo Cantilino, nos homens, os sintomas da mania são mais exuberantes e isso torna a identificação da doença mais fácil. Essa fase é marcada por vários tipos de excessos que podem atrapalhar o relacionamento.

O parceiro pode começar a gastar demais, por exemplo. Também poderá ficar irritado por motivos banais e até agressivo quando contrariado. “Outra característica é a desinibição sexual, que pode ser tão intensa, fazendo com que o bipolar procure, inadvertidamente, trair a namorada ou esposa com outras mulheres”, reconhece o especialista.

O quadro depressivo também pode fazer parte do cotidiano dos homens bipolares e afetar o namoro. Na depressão, a libido do homem cai, há perda de interesse para diversas atividades, ele não sente mais prazer em estar com a parceira.

Ou pode ocorrer o oposto, quando o companheiro fica excessivamente inseguro e dependente da parceira. Talvez a fase depressiva do transtorno seja motivo maior para separação, pois nem todas as mulheres conseguem suportar essas situações.

“É preciso saber que esses altos e baixos da doença não possuem cura, mas há tratamento, e incentivar o parceiro a procurar um médico é fundamental”, alega o psiquiatra.

Tratamento medicamentoso

Os episódios do transtorno afetivo bipolar podem ser menos frequentes e menos graves quando o paciente adere aos tratamentos medicamentosos. Atualmente, existem no mercado opções capazes de reduzir os efeitos colaterais normalmente causados por este tipo de medicamento. Incluem-se entre elas, o cloridrato de ziprasidona, que teve uma nova indicação para o controle do transtorno aprovada pela Anvisa no Brasil.

Indicado também para controle da fase aguda, prevenção de recorrência em pacientes bipolares e para portadores de esquizofrenia, a substância tem a vantagem de não apresentar alguns dos efeitos adversos associados aos demais antipsicóticos atípicos, como ganho de peso excessivo e indução à síndrome metabólica: aumento do colesterol, triglicérides e da glicemia, distúrbios que, frequentemente, levam às complicaç&ot,ilde;es cardiovasculares.

“Apesar de todos os dissabores, manter o relacionamento é possível”, avalia o psiquiatra. O transtorno bipolar não precisa ser motivo para separação. As pessoas que convivem com um bipolar precisam conhecer a doença e seus sintomas para que saibam identificá-los no momento em que aparecem. “Tanto a namorada, quanto a família do paciente, devem se tornar parceiras no tratamento, no sentido de ajudar o médico com informações e comportamentos que nem sempre o paciente consegue identificar em si mesmo”, completa Cantilino.

Detecção exige tempo

“Sei exatamente como é querer morrer, como dói sorrir, como você tenta se ajustar e não consegue, como você se fere por fora tentando matar o que tem dentro.” A frase, proferida por Winona Ryder no filme Garota Interrompida, reflete com exatidão os sentimentos de um portador de  transtorno bipolar, doença caracterizada pela variação brusca e extrema de temperamento, na qual uma hora a pessoa está eufórica, feliz e satisfeita, e, no momento seguinte, em depressão profunda.

Muito se engana quem acha que o distúrbio é relativamente recente. Segundo o psiquiatra José Alberto Del Porto, os primeiros relatos referentes à doença bipolar remontam da Antiguidade.

A detecção do transtorno bipolar exige tempo, investigação cuidadosa e, muitas vezes, entrevistas com os familiares do paciente. O diagnóstico precoce é importante, pois pode prevenir recorrências futuras e deterioração da qualidade de vida.

O diagnóstico não pode ser feito de forma ampla. “É preciso levar em consideração uma série de critérios, como a duração dos sintomas, alteração no funcionamento do organismo, mudanças no relacionamento social, entre outros”, orienta Del Porto.

Como se manifestam os sintomas

*A frequência de mania é semelhante em homens e mulheres

*A frequência dos sintomas de mania e depressão ao mesmo tempo é maior em mulheres

*O diagnóstico tende a ser mais atrasado na mulher

*A chance de transmissão de transtorno do humor é maior quando a mulher é afetada

*Quanto ao desencadeamento de novas fases, as mulheres parecem ser mais sensíveis a fatores estressantes de vida, como problemas de saúde
e familiares, sobretudo desencadeando fases de depressão

*Em relação aos homens, mulheres bipolares apresentam mais comorbidade, como bulimia, transtorno de estresse pós-traumático e distúrbios tireoidianos

*Em relação às mulheres, homens bipolares apresentam mais: jogo patológico, distúrbios de conduta e abuso/dependência de álcool e outras drogas

*Mulheres bipolares apresentam de quatro a sete vezes mais abuso de substâncias psicoativas que mulheres não-bipolares