Turismo rural em autêntica fazenda tropeira

Vivenciar lazer, história e preservação, a apenas 85 quilômetros de Curitiba, é perfeitamente possível. Basta olhar para os arredores da antiga cidade da Lapa e redescobrir suas fazendas e a paisagem exuberante que se estende na região. Uma delas, na estrada que vai para Campo do Tenente, leva o nome de Roseira e guarda mistérios que vêm desde o século XIX, quando de sua fundação. O local era paragem dos antigos tropeiros, que faziam a rota a partir do Rio Grande do Sul até o Estado de São Paulo, levando mercadorias, como o charque, e deixando relíquias do patrimônio histórico.

A sede da Fazenda Roseira era local de parada das tropas. Fundada em 1838 por Artur Suplicy, influente na cidade da Lapa à época, a propriedade abriga hoje a sétima geração da família e abre espaço para o turismo rural. Uma idéia que surgiu há sete anos e, desde então, a fazenda atrai principalmente paranaenses e paulistanos que procuram belas paisagens e muito aconchego. ?Aqui as pessoas deixam os títulos, se voltam à simplicidade e põem os pés no chão para viver o que há de mais real?, diz Maristela Suplicy, uma das proprietárias da Roseira, responsável pela implantação da atividade turística.

Reserve um tempo para apreciar a bela paisagem: são 150 alqueires de mata de araucária nativa preservada.

Uma constatação que faz sentido. Apenas chegar ao lugar já faz valer a pena a viagem. Logo na entrada, é possível apreciar parte dos 150 alqueires de mata de araucária nativa que os proprietários fazem questão de preservar. Logo em frente, um galpão rústico convida o hóspede a entrar e se aquecer em frente ao fogão a lenha, enquanto o pinhão é torrado e o chimarrão já está à espera.

Logo ao lado, a estalagem – uma casa com mais de setenta anos adaptada para a hospedagem, com capacidade para até 25 pessoas – chama o turista para aproveitar uma boa noite de sono ou aquele cochilo depois do almoço. Este, aliás, tem a cara da fazenda e gosto de natureza. ?As massas, queijos, temperos, conservas e geléias são feitos aqui mesmo. É uma comida bem elaborada?, descreve Maristela.

A hospedagem nas suítes custa R$ 180 por casal, incluindo as três refeições: aconchego a um preço acessível.

A fazenda também tem algumas trilhas na mata que o turista pode percorrer a pé e outras, mais acidentadas, a cavalo. Já para quem prefere exercitar as pernas, vale a pena explorar as formações rochosas pertinho da estalagem, subir nas pedras e alcançar uma vista ainda mais bonita. No calor, o convite é para um banho na pequena cachoeira que se forma a partir de uma das nascentes de água que abastecem a fazenda, caindo em uma lagoa natural. O cenário convida também à prática das mais tradicionais atividades rurais, como a ordenha e a agricultura, e a uma viagem no tempo, mais especificamente à época do tropeirismo. Afinal, lá, a filosofia é que o turismo rural deve ter história e conservar suas raízes.

Fazenda conduz a um passeio pela história

Galpão, ao fundo, e estalagem:
estilo rústico mas aconchegante.

Uma das peculiaridades da região onde a Fazenda Roseira está localizada é o contexto histórico. Os quase 170 anos de sua fundação deixaram um legado seguido pela família, que luta para conservar a propriedade há gerações. ?Meu pai era um apaixonado por este lugar. Fez Farmácia e trabalhou a vida toda em Curitiba para conseguir comprar a parte dos irmãos?, conta Maristela Suplicy, uma das herdeiras. Haroldo Suplicy, o pai, faleceu há três anos e levou muitas histórias com ele.

Inicialmente, a produção da fazenda se concentrava na erva-mate e na criação de gado. E eram os tropeiros grandes responsáveis pelo giro da economia do lugar, vindo desde a cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, negociando mercadorias até Sorocaba, em São Paulo. ?Traziam o charque, comercializavam no caminho e daqui levavam bastante erva-mate?, diz Maristela.

O turismólogo Rodrigo Meira, que pesquisa o Caminho das Tropas – ou do Viamão – há cerca de cinco anos, acredita ser a Roseira uma parte importante da via histórica. ?Entre os séculos XVIII e XIX, esse trajeto interligou econômica e culturalmente diversas localidades inseridas em seu eixo, abrindo espaço para o desenvolvimento de várias tipologias de turismo?, afirma. O município da Lapa, a cerca de 15 quilômetros – uma das sugestões de visita para quem fica hospedado na fazenda – , apresenta as características peculiares daquele tempo. ?Assim como muitas cidades surgidas ou desenvolvidas com esse movimento, a Lapa expressa a influência do tropeirismo no patrimônio histórico e cultural. Um exemplo é o traçado urbano, influenciado pela utilização da antiga Rua das Tropas e, também, a culinária, com pratos ainda hoje saboreados, como a farofa de charque?, indica o pesquisador.

Muitos dos pratos saboreados na fazenda
também remetem
à época dos tropeiros.

Enquanto, na fazenda, os remanescentes históricos e os aspectos naturais – como o curso de rios em lajeados e a mata de araucária – agregam valor ao turismo rural. ?Esses elementos tornam-se ainda mais atrativos justamente pela preocupação dos proprietários em manter a identidade e, assim, proporcionar aos visitantes meios para a interpretação patrimonial?, acredita Meira. ?O turismo se firma, por um lado, como fenômeno capaz de valorizar a história regional e, por outro, como opção a turistas que buscam, além de conforto e entretenimento, aprender algo com a viagem. Essa análise ultrapassa a visão economicista e encara a atividade como um meio para salvaguardar elementos do ambiente e evidenciar o patrimônio nacional.?

Arquitetura e móveis evidenciam uma época

Segundo o pesquisador Rodrigo Meira, o patrimônio preservado na Fazenda Roseira contribui com a identidade do local, o que pode ser evidenciado na conservação da arquitetura e dos móveis e objetos da propriedade. ?Uma das características são as paredes largas e o arco – uma grande porta arqueada – que divide o setor reservado à permanência dos escravos?, cita. Ainda é possível encontrar a alcova – quarto sem janelas que se localiza bem no centro da casa, em meio a todos os outros cômodos, e usado para que as mães tivessem bebês ou como local de repouso – e o chamado quarto da donzela, em que ficavam as filhas moças: para ter acesso, era preciso passar pelo quarto dos pais, o que permitia a eles vigiar os passos das meninas. ?Essas são características típicas de construções de fazendas em várias partes do caminho, que ainda podem ser observadas no Rio Grande do Sul, nas coxilhas de Santa Catarina, nos campos gerais do Paraná e no Estado de São Paulo?, emenda o turismólogo. (LM)

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