São José do Rio Pardo é berço de uma obra-prima

A pequena São José do Rio Pardo, no interior paulista, quase na divisa com Minas Gerais, abriga algo mais que suas belas casas de arquitetura que lembra o barroco e seus 46 mil habitantes.

Andar pelas ruas da cidade é uma espécie de mergulho na memória do escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, autor de Os Sertões. Um clássico da literatura brasileira traduzido para 12 idiomas.

Euclides morou em São José entre 1898 e 1901 em um casarão de alvenaria no centro da cidade, onde hoje funciona a Casa Euclidiana. No local, há um museu sobre o escritor e sua participação na Guerra de Canudos como repórter do jornal O Estado de São Paulo. Foi na cidade que ele escreveu Os Sertões.

Em homenagem ao escritor, todo mês de agosto é realizada em São José a Semana Euclidiana. Evento que atrai à cidade estudiosos da obra do escritor. “Quando chega agosto vivemos um período especial”, diz o professor Rodholfo José Del Guerra, estudioso da obra do autor. “Não só porque lembramos Euclides, mas porque damos oportunidade a outras pessoas de se aprofundar na obra dele.”

A saudade

A relação de Euclides com São José foi marcante. A cidade deu-lhe a paz necessária para que produzisse uma obra-prima. Um ano antes de sua morte, em 1908, do Rio de Janeiro escreveu ao amigo Francisco Escobar: “Que saudade do meu escritório de zinco e sarrafos na margem do Rio Pardo! Creio que aqui nessa agitação estéril não produzirei mais nada”.

Até hoje, o barraquinho de zinco, que ele chamava de escritório, está preservado por uma redoma de vidro na beira do Rio Pardo. Ali, Euclides trancava-se e passava todos os dias rascunhando o que viria a ser Os Sertões.

Ponte metálica é a grande obra que o engenheiro Euclides deixou.

A ponte

A cerca de 100 metros do escritório está a ponte metálica alemã que Euclides construiu. Projetada pelo engenheiro Arthur Pio Deschamps de Montmorency, a ponte desabou 50 dias depois da inauguração, em janeiro de 1898. A Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo designou o engenheiro Euclides da Cunha para reconstruí-la.

Enquanto comandava a construção nascia Os Sertões. Em agosto de 1897, ele havia abandonado o posto de tenente do Exército e foi enviado pelo jornal O Estado de São Paulo ao interior da Bahia para cobrir a Guerra de Canudos.

A tragédia

Uniforme da Guerra de Canudos. Mausoléu guarda os restos mortais.

O jornal já havia publicado alguns fragmentos do livro em formato de reportagem. A tranqüilidade que encontrou em São José nas margens do Rio Pardo e a colaboração de amigos o ajudaram a concluir a obra.

O comerciante Augusto Pimenta passava a limpo as tiras nas quais Euclides registrava seus escritos. “Pelo menos oitenta por cento do livro foi escrito aqui”, acrescenta o professor Del Guerra.

No Rio de Janeiro, Euclides foi traído pela mulher, Ana, cujo amante, Dilermando de Assis, o matou a tiros. Mais tarde, matou seu filho, Quindinho. Seus restos mortais, trazidos em 1982 do Rio de Janeiro, estão em um mausoléu na beira do Rio Pardo, em São José.

A aridez de um livro pouco lido

Os Sertões, quase todo escrito em São José do Rio Pardo (pelo menos 80%), é uma obra de vocabulário incomum, assuntos áridos e temas científicos. A cada leitur,a é possível descobrir novas coisas. Embora seja considerado datado por alguns estudiosos, é um livro fundamental para entender o Brasil. Nele, Euclides se revela cientista e artista.

O poeta, o sonhador, o estudioso sensível se completa com precisão de um sábio versátil que se divide em geólogo, biólogo, arqueólogo e outros ramos da ciência que podem ser agregados à lista.

E é essa harmonia entre arte e ciência que faz de Os Sertões uma obra-prima que rompe o tempo. Dividido em três partes: a terra, o homem, a luta, o livro, o livro tem como cenário o sertão baiano, onde personagens singulares perfazem a trama.

O maior deles é o líder messiânico Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro.
Dos confrontos entre as tropas do governo e os seguidores de Conselheiro nasceu Os Sertões. Desafiado por um grupo de jagunços, o governo mandou quatro expedições a Canudos, a cidade construída pelos conselheiristas.

Três foram derrotadas e só a quarta, com mais de cinco mil soldados, obteve êxito. Canudos foi arrasada. Estudos indicam que morreram cerca de 25 mil pessoas no conflito. (DO)

Acervo inclui curiosidades

“Escritório” onde foi escrito o rascunho de Os Sertões está preservado.

Quem visita São José do Rio Pardo não pode deixar de ir à Casa Euclidiana, onde estão os pertences de Euclides da Cunha e objetos que foram utilizados na Guerra de Canudos. Todo mês de agosto, desde 1912, é realizada, a Semana Euclidiana.

A iniciativa que começou com um grupo de amigos, a cada ano, reúne mais estudiosos da obra do escritor de várias partes do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa.

Este ano, a Semana Euclidiana foi realizada entre os dias 9 e 15 do mês passado. Participou do evento gente de várias partes do Brasil. O dia 15 de agosto, dia da morte do escritor, é feriado municipal em São José do Rio Pardo.

Na Casa Euclidiana, há cartas que o escritor enviou a amigos e ao pai, fotos e uniformes originais dos soldados que lutaram na Guerra de Canudos. É possível ver no local as várias edições de Os Sertões e uma caderneta com anotações de Euclides da Cunha (DO).