Lições de História

O Paraguai é muito mais do que se imagina

O centro de Assunção reserva ao estrangeiro um roteiro breve e fundamental para conhecer a história do País, que pode ser feito a partir da Casa da Independência, construída em 1772 e local da conspiração que resultou na criação da República do Paraguai, há 200 anos. A casa em estilo colonial espanhol é pequena. Grande é o significado que tem. Cada um de seus cômodos é mobiliado de acordo com a época e com objetos que pertenceram ao período, como cadeiras, camas, utensílios de cozinha e montaria, como estribos, além de espadas, entre elas a de Fulgênio Yegros, devolvida pelo general argentino Ogania, em 1969.

Yegros foi presidente da primeira junta governativa e um dos responsáveis pela independência paraguaia, cujo primeiro governo foi instalado em 23 de junho de 1811. Na casa encontra-se referência a Pedro Juan Caballero, que em 14 de maio de 1811 tomou o quartel de La Ribeira, desencadeando o movimento de independência do país. O dormitório em exposição na casa pertenceu a Juan Batista Rivarola. Enfim, a Casa da Independência é o espaço em que o paraguaio reverencia o nascimento da nação. Além disso, tem ainda um mapa de Assunção em azulejo à época da independência, na realidade um aglomerado de casas pouco maior que uma vila.

Também é reverenciado em Assunção O Panteão dos Heróis, edifício central que guarda os restos mortais de Francisco Solano Lopez, mandatário paraguaio durante o conflito de quatro anos que os brasileiros denominam de Guerra do Paraguai e os paraguaios chamam de Guerra da Tríplice Aliança. A morte de Lopez em 1870 simboliza o fim do conflito no qual o país foi destroçado e perdeu grande parte de sua população, especialmente a masculina. A partir daí o Paraguai se envolve, sem recursos, numa lenta e dolorosa reconstrução.

Consciência e memória

Outro local interessante é o Museu Del Cabildo, na Praça da Independência. O prédio abrigou o Congresso Nacional, até este se transferir para um conjunto com prédio moderno e outro que foi escola pública, a poucos metros do museu, na mesma praça. O museu, sede das comemorações do bicentenário paraguaio, abriga distintas expressões da cultura paraguaia com o objetivo de desenvolver a consciência e memória históricas para as gerações futuras. Mais adiante, encontra-se o Palácio do governo. Estes edifícios têm como pano de fundo o rio Paraguai. Ao passar por eles, desfila-se diante de uma boa parte da história do País.

Mas a história do País pode ser vista também longe de Assunção. Quando o assunto é um mergulho nos primórdios da história paraguaia, nada se compara no Circuito de Oro (em direção ao sul do País) a uma visita ao templo San Buenaventura, em Yaguaron, construído entre 1755 e 1778 e considerado o melhor exemplo do barroco hispano-guarani, desenvolvido pelos franciscanos na América.

Relexão

Com seu altar folheado a ouro, num trabalho requintado feito pelo português José de Souza Tavares, e suas histórias de corpos de índios emparedados e soterrados no interior do templo, San Buenaventura proporciona uma reflexão sobre o passado não apenas paraguaio, mas do próprio continente. Um cinéfilo no interior do templo imediatamente recorda a atmosfera do filme A Missão (1986, Rolland Joffé). O misto de religiosidade, simplicidade e rusticidade está presente em Buenaventura.

Ossos na parede

O caso dos corpos dos índios emparedados tem uma explicação até singela. Como os franciscanos conseguiram convencer os índios de que a igreja era um lugar sagrado, eles pediram para serem enterrados no lugar depois de mortos. Por esta razão, durante a restauração do templo, foram encontrados ossos nas paredes e no chão do templo. Ossos que foram deixados no lugar em que estavam.

Em sua forma, no centro de uma ampla praça, devidamente protegida por cercas, o templo lembra uma grande tenda indígena. Em parte a arquitetura escolhida foi para atrair os indígenas. Em parte, o clima quente exigia construções mais simples que os complexos templos europeus. A arquitetura apresenta um corredor lateral como espaço de transição entre o interior e o exterior, além de abrigo para o sol e a chuva.

O exterior austero do templo contrasta como interior cheio de imagens maravilhosas e uma profusão de detalhes de ouro. O templo franciscano, assim como as Missões dos jesuítas, são a prova da tentativa destas duas ordens de reorganizar socialmente os índios diante da presença opressiva dos europeus.

*O jornalista Edilson Pereira viajou a Assunção a convite da Secretaria Nacional de Turismo de Paraguay.