Aventura no continente mais gelado do planeta

O turismo está em constante evolução. Há trinta anos ninguém em sã consciência pensaria em fazer uma viagem de lazer até o Polo Sul. Este destino pra lá de insólito começou a ser timidamente mostrado nos anos 90s.

Eram ao todo três navios os que encaravam esse desafio e seus passageiros, obviamente, não eram latino-americanos. Já nesta temporada 2008-2009, se esperam mais de 40 barcos turísticos navegando por águas antárticas, vários deles com guias em espanhol, além dos em inglês e alemão.

A bordo, uma massa com mais de 1.500 organizadíssimos e obedientes viajantes que só desejam poder admirar os gelos antárticos e suas maravilhosas paisagens.

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Em meio à fauna antártica, o simpático pinguim macaroni.

Entre estes navios está o M/V Grigoriy Mikheev, barco de tripulação russa, parte fundamental do programa turístico Antártica XXI, organizado por empresários chilenos.

Durante seis dias e cinco noites este navio com capacidade para só 46 felizardos passageiros, percorre as belezas do continente gelado, brindando conforto, mordomias e um ambiente aconchegante e familiar.

Uma coisa era cruzar o mítico Mar de Drake em um barco à vela, com casco de madeira, orientados pelo sol e as estrelas graças ao sextante, com ventos que adernavam o navio bastante além dos 35 graus, como o fizeram aqueles heróis na corrida pela conquista da Antártica, Amunsen, Scott e Shackleton.

Durante a expedição, elementos não faltam para o turista que quiser tirar boas fotos.

Outra muito diferente é poupar os três dias de ida e volta de navegação pelo Mar de Drake que, como diz Amyr Klink, tem que ser respeitado sempre. São só duas horas de voo de Punta Arenas até a base chilena Presidente Frei, na Ilha Rei Jorge, na região subantártica. Acredite: ninguém merece cruzar o Drake de barco, mais ainda se ele está nervosinho…

O navio

O Gregory Mikheev não é um navio com cassino, onde os ternos, gravatas, abrigos de pele e jóias sejam parte da mala. Seus passageiros, na grande maioria, já percorreram o mundo inteiro e hoje querem voltar às raízes, aos primórdios de nosso planeta. E isso se dá justamente na Antártica, afinal, nossa vida surgiu após o término da última grande glaciação da Terra.

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O navio Grigoriy Mikheev: capacidade só para 46 “felizardos”.

Uma viagem destas é para quem tem espírito expedicionário. Os dias a bordo não se preenchem com roletas ou caça-níqueis, nem discotecas ou shows de mágicos e cantores de boleros.

Os dias passam com bate-papos sobre ecologia e meio ambiente, fauna e flora antártica, geologia, biologia marinha, viagens históricas, oceanografia e outros temas ligados ao continente antártico.

Portanto, se voltar às aulas, ver pinguins, leões marinhos e outros bichos, ver icebergues e caminhar por rochedos cobertos de neve e gelo com temperaturas, às vezes, abaixo de zero não é exatamente sua praia, escolha navios a destinos mais, digamos, populares, como o Caribe, Mediterrâneo ou o litoral da Flórida.

Do contrario, uma viagem à Ant&aa,cute;rtica pode ser, literalmente, uma fria. Mas se o turismo convencional já não brinda o prazer e descanso esperado, não suporta essas turmas de new-rich preocupados com as compras e deseja uma viagem de aprendizado que o faz mergulhar em si mesmo e sentir esse contato forte com o entorno, o continente gelado pode se transformar na viagem da sua vida ou, no mínimo, aquela única e especial.

Passeio é como uma expedição

Fotos: Jaime Bórquez
A visita à Ilha Decepção, sua praia e vulcão ativo, é um dos programas inesquecíveis.

Um cruzeiro até a Antártica deve ser encarado como uma expedição. Embora o navio tenha um programa day-by-day deve sempre se levar em conta que estamos numa das regiões onde o clima costuma revelar algumas surpresas, umas boas e outras nem tanto.

As visitas ou paradas podem ser suspensas por clima ruim, pesadas nevascas ou ventos que não permitem que os botes zodiac naveguem em forma segura. Mas o pessoal de bordo sempre tem uma carta na manga, como oferecer outra opção de passeio ou desembarque interessante e sem riscos desnecessários.

A segurança, tanto dos passageiros como do meio ambiente, é uma preocupação constante. Não se permite o uso de sapatos em praticamente nenhum desembarque.

Os expedicionários usam botas de borracha, as quais são desinfetadas exteriormente tanto na saída como na chegada ao navio. Fumar? Só em certos lugares do barco e nem pense em jogar a bituca no mar. Antes de cada desembarque aproveite para ir ao banheiro já que um singelo “xixizinho” na Antártica está absolutamente proibido.

Não leve souvenires da natureza, como pedras, areia, conchas nem nada que seja próprio do lugar. O argumento é que se cada visitante leva uma simples pedrinha, serão acima de 1.500 pedrinhas retiradas a cada temporada.

E, sabe que material usam os pingüins para fazer seus ninhos? Acertou, pedras. Então, a recomendação é que as lembranças da viagem sejam essencialmente fotografias e vídeos ou souvenires vendidos nas bases ou na boutique do navio.

Botes zodiac levam os turistas mais próximo dos icebergs.

Claro que o planeta agradece se descobre algum lixo deixado por humanos e o carrega ao barco, como tubinhos de filme, sacos plásticos, papéis de bala, chicletes, enfim, tudo que nossa (in) civilização costuma jogar no chão. Ah! E nem pense em escrever seu nome sobre rocha alguma.

Recomenda-se não fazer barulhos que perturbem a paz dos animais e nem dar de comer, tocar, manejar, ficar perto demais nem fazer nada que possa modificar seu comportamento.

Tenha cuidado ao pisar nas rochas, verifique se não há algum tipo de vegetação nela, como líquen ou musgo, eles são sinais de que a vida vegetal está lutando para crescer ali. Em poucas palavras, o expedicionário deve entrar e sair da Antártica carregado só de bons momentos e estes, com certeza, ocuparão um grande espaço no seu coração.

Águas quentes são oásis na Antártica

Canais são como espelhos d’água: um cenário absolutamente cativante.

Ao se adentrar pela Península Antártica, as paisagens vão sendo ainda mais surpreendentes e inesperadas. Soma-se a isso o longo período de luz solar que há no verão destas latitudes. Nos meses de janeiro e fevereiro, a noite só é presente no relógio.

Pode-se estar em plena meia-noite com o horizonte ainda iluminado pelos raios do sol. A madrugada começa avermelhada e termina amarela, em pouqu&iacute,;ssimas horas. O sol vira um joão-teimoso, como aquele barquinho do Amir Klink que capotava e voltava ao normal, nem mal mergulha no confim da nossa visão quando já está emergindo de novo.

Quem precisa de escuridão para dormir deve arrumar muito bem as cortinas da janela. Se mesmo assim o sono não vingar, um bom gole de uísque e as calmas águas antárticas podem ajudar na difícil tarefa de cair nos braços de Morfeu.

Por aqui o mar não tem ondas nem marolas e se tem a sensação de que o barco não está navegando. Os canais tranqüilos viram espelhos d’agua e, ao olhar de ponta-cabeça, as paisagens são praticamente iguais, tanto a verdadeira como a refletida.

O cenário é absolutamente cativante, se navega em silêncio total pelo Canal Errera, Danco, Cuverville e o Canal Lemaire, chamado de Kodak pelo irresistível impulso de tirar centenas de fotografias deste belíssimo lugar.

Porém, há um lugar impossível de se esquecer: Paradise Bay. Icebergs, gigantescas montanhas cobertas de gelo, impressionantes paredões de neve, geleiras, dezenas de pinguins pulando nas águas, gaivotas, petreis, skuas e pombas antárticas brincam com as correntes quentes de ar que o barco vai deixando.

Às vezes aparece alguma baleia finn, a mais vista por estes lugares, ou também pode ser uma orca, que nos deixa absortos e imóveis nas varandas exteriores do barco.

No meio do caminho, o habitante mais famoso da região posa para foto.

Outro momento inesquecível é a visita à Ilha Decepção. Tudo aqui causa surpresa, partindo por ser o único vulcão ativo do mundo a cuja cratera se pode entrar navegando. Sua última erupção foi em 1970 e destruiu completamente a base chilena Pedro Aguirre Cerda.

Hoje se pode apreciar parte dos estragos que produziu caminhando na praia de Whaler Bay, onde há pequenos navios e um trator coberto por mais de um metro de cinzas vulcânicas, o cemitério do lugar simplesmente ficou submerso nelas.

Batismo antártico

Mas o marcante desta visita é o batismo antártico, um bom banho de praia em pleno polo sul. A explicação desta inverossímil experiência é simples. O magma do vulcão está em total atividade. Isto faz com que essa massa incandescente no fundo da terra esquente as águas que emergem até a superfície.

Na Praia de Whaler Bay basta fazer um buraco para que ele se encha de água do mar bem quentinha. Em outro lugar da ilha chamado Telefone Bay nem precisa fazer buraco, basta entrar no mar onde há traços de fumaça. As águas estão deliciosamente mornas.

Há vários outros passeios e paradas interessantes. Em Port Lockroy há uma base inglesa transformada em museu. Esta é uma viagem no túnel do tempo, já que tudo no seu interior é dos anos 50s e 60s, dos talheres até o fogão da cozinha, da radio às fotos de Doris Day da sala.

Cada participante tem suas secretas explicações para visitar tão distante e raro lugar, como pode ser o Polo Sul. Para alguns é o destino da sua vida, outros procuram sair completamente daquilo que o remeta à vida urbana, do agito da metrópole. E para muitos a razão é a famosa resposta que sir Edmund Hillary deu ao ser perguntado por que subir o Everest: “porque ele está aí”.

O indômito Polo Sul está ali esperando por corações sedentos da aventura, da natureza prístina e de amor pelo nosso planeta. E o programa Antártica XXI pode ser uma excelente opção para ir a este encontro.