Abruzzo, coração verde da Europa

Sempre que um turista decide visitar a Itália, é convidado a seguir determinados itinerários já programados que nem sempre mostram a beleza dos lugares mágicos onde vive a maioria dos italianos. Na verdade, é nas pequenas aldeias que o povo italiano consegue manter inalteradas as suas antigas tradições e se protege, na medida do possível, da confusão dos grandes centros habitados.

Nas grandes cidades, como Roma, Milão, Florença ou Veneza, berço da cultura que influenciou o mundo inteiro, pode-se certamente admirar imponentes monumentos dignos dos artistas que os construíram.

Mas os vestígios de civilizações mais antigas, responsáveis pela sabedoria transmitida em todos esses séculos, se encontram ainda escondidos no coração das vinte regiões italianas, algumas quase anônimas ao grande público.O Abruzzo pode ser considerado um desses lugares privilegiados. Circundado pelo Apenino, o dorsal mais elevado de toda a cadeia montanhosa italiana, esta região conservou a beleza das paisagens e a vivacidade das tradições, graças ao seu relativo isolamento geográfico.

Natureza selvagem

Delimitada ao norte pela formidável barreira calcária do “Gran Sasso”, a zona apenínica se estende da cidade de Aquila ao Parque Nacional do Abruzzo, oferecendo uma paisagem extremamente variada onde se alternam precipícios, cavernas, florestas, planaltos, desertos e pequenas pastagens.

Devido à natureza grandiosa e selvagem de seus picos, é a região apenínica que realmente apresenta o aspecto de alta montanha.

Não se deve, porém, pensar no Abruzzo como uma região isolada por séculos de cultura e habitada somente por pastores de rebanhos e muito menos por antepassados bárbaros e selvagens que estrangulavam os lobos e depenavam as águias.

Nos vales que se estendem entre os montes descobrem-se prósperos vinhedos, campos de oliveiras, castanheiras, amendoeiras.

Entre as verdejantes colinas destacam-se os campos arados dispostos como uma colcha de retalhos. Sobre os cumes, semi-escondidos pela vegetação, dispõem-se antigas casas de pedra, moradas dos incansáveis agricultores que irrigam com suor aquela terra pedregosa, raça forte e indestrutível que não se deixa abater pelos duros sacrifícios.

As cidades são quase sempre localizadas na parte mais alta dos montes, uma posição estratégica de defesa, e se mantêm praticamente inalteradas, apresentando-se da mesma maneira de quando foram construídas na antigüidade.

O ponto mais alto é dominado pelo castelo pertencente ao nobre que governava a região, tendo ao seu lado a igreja, já que o campanário era usado não somente para convidar os fiéis à prece mas também para alertar a população nos momentos de perigo.

Coração verde da Europa

Hoje a denominação de “cidade” poderia parecer imprópria tendo em vista o escasso número de habitantes, na maioria dos casos, apenas quatrocentas ou quinhentas pessoas. Porém, são todas administradas por um prefeito e têm estruturas bastante modernas e confortáveis, sendo essa uma característica de toda a Itália.

As cidades que superam um milhão de habitantes podem ser contadas nos dedos de uma só mão (até mesmo Roma não ultrapassa os três milhões), sendo ao todo 8.090 municípios que, na sua quase totalidade, se identificam com essas pequenas aldeias/cidades onde a vida transcorre placidamente em uma dimensão ainda humana.

Em muitas regiões, grandes áreas verdes foram destinadas para reserva ambiental. Bem no centro do apenino abruzes encontra-se uma reserva natural instituída em 1923 com a finalidade de preservar a fauna, a flora e as belezas naturais.

Esse parque estende-se por uma área de 40 mil hectares, dois terços cobertos de bosques de “faggi” e de “acceri”, sendo o refúgio da águia real, o lobo do Apenino, o urso marsicano, cervos e muitos outros animais selvagens. Sucessivamente foram criadas muitas outras reservas, fazendo com que o Abruzzo seja hoje considerado como “o coração verde da Europa”.

Algumas pequenas aldeias acolhem os turistas nessas inúmeras áreas verdes, oferecendo-lhes a possibilidade de transcorrer períodos inesquecíveis em meio à natureza.

Nessas localidades pode-se percorrer a pé confortáveis trilhas nos bosques, fazer um piquenique em lugares bem equipados ou, se preferir, alcançar os picos mais altos das montanhas comodamente, de carro, seguindo por estradas asfaltadas e bem conservadas.Forte e gentil

Durante séculos foi assim que escritores e viajantes ilustres definiam o Abruzzo, uma imagem que poderia parecer esculpida com um machado, porém, a síntese de um slogan quase sempre esconde uma verdade. Por exemplo, não existe dúvida de que sejam fortes, fortíssimas, as imagens oferecidas pelos burgos medievais fortificados sobre as colinas, pelas aparições imprevistas dos antílopes e dos lobos, nos ângulos mais solitários das reservas ecológicas, dos castelos que controlam hoje, como no passado, as estradas de comunicação mais importantes.

Ainda mais fortes, em qualquer época do ano, são as emoções oferecidas pelas montanhas: a Maiella, o Gran Sasso, o Sirene e a Laga, as grandes altitudes da Marsica e do Velino que todos os visitantes são unânimes em definir como as personagens mais “prepotentes” da vida abruzesa.

No confronto entre essas paisagens, são os suaves perfis das colinas, os afrescos das inúmeras igrejas medievais, as múltiplas tentações da gastronomia regional e a longa faixa dourada das praias do Mar Adriático que demarcam a fronteira do Abruzzo.

Entre os altos picos dessas montanhas e a linha dourada do litoral, a natureza forma um quadro de grande variedade e sugestão sempre presente em qualquer época do ano.

Pode-se admirar com êxtase cumes e pequenas aldeias recobertas de neve durante o inverno ou um suntuoso desabrochar de milhares de flores que colorem os prados durante a primavera e o verão.

Abruzzo, natureza e arte na Itália

A beleza deste panorama múltiplo pode ser admirada percorrendo a pé os itinerários aconselhados pelos guias especializados em excursionismo. O “trekking” pode ser praticado sem nenhuma limitação porque a escolha entre as inúmeras trilhas permite o acesso até mesmo às pessoas menos espertas em alpinismo.

Quase sempre, ao superar um despenhadeiro ou contornar uma encosta, o panorama muda de uma forma imprevisível em uma sucessão de variadas e espetaculares cenas. As cores fortes, os matizes, a delicada tonalidade de uma flor solitária que nasce no meio da rocha, fundem-se em um total equilíbrio.

As numerosas estradas e estradinhas oferecem, também, a possibilidade de percorrer de carro os itinerários mais sugestivos.

Igrejas e castelos românticos, necrópoles antigas e museus, ermos e burgos fortificados – entre o mar e a montanha uma rica escolha de obras de arte e monumentos está à disposição do visitante que percorre o Abruzzo.

Aquele que decide empreender esse tipo de turismo deve, porém, compreender a necessidade de se desligar daquelas viagens “velozes” nas quais, muitas vezes, a visita se completa somente ao retornar para casa e admirar o álbum de fotografias.

Aqui apenas a observação não é suficiente, sendo necessário parar, sentir a vibração que transmitem os lugares, assimilar e compreender a sua importância na influência do bem-estar mental e físico. Apesar dessas considerações, seria interessante avaliar bem qualquer programa antes de se propor a iniciar uma viagem turística que não contenha esse objetivo.

Sendo assim, ao retornar para casa todos estariam enriquecidos pelos valores de uma outra civilização distante da sua, mas da qual se pode assimilar inegáveis ensinamentos.

Civilizações pré-históricas

A partir do segundo milênio a.C. e durante toda a era antiga, a Itália viu florescer grandes civilizações cuja riqueza caracteriza ainda hoje uma vasta parte da cultura ocidental.

Os gregos, etruscos e romanos foram precedidos de outras populações entre as quais os ligures, latinos, sanitas, picenes e volsces que habitavam o centro e o sul da península.

Essas raças não só deram origem ao povo abruzes, mas a herança de suas civilizações pré-históricas influenciam ainda hoje a sua maneira de viver.

Pelas características peculiares da sua história e também da sua geografia, tendo sempre presente o marcado isolamento provocado pelas próprias montanhas, o Abruzzo moderno conserva inalterada grande parte do seu território e os sítios arqueológicos da região vivem em um ambiente natural ainda muito semelhante ao antigo.

No Museu Arqueológico Nacional da cidade de Chiete, capital da província do mesmo nome, são conservadas peças provenientes da Idade do Ferro, juntamente com um grande material encontrado nas escavações das necrópoles mais significativas do Abruzzo pré-romano.

Menos antiga, mas muito importante, é a estátua funerária do rei Nevio Pompuldeio, denominado o “guerreiro de Capestrano”, a qual confirma a instituição de uma monarquia no VI século a.C.

Cidade de origem lengendária

Chieti surge em cima de uma colina que divide as águas dos rios Pescara e Allento, emoldurada pelo maciço da Maiella e Gran Sasso e pela planície do mar Adriático em uma série de panoramas únicos pela riqueza e variedade.

Considerada uma das cidades mais antigas da Itália, sua origem é legendária e segundo alguns textos históricos teria sido fundada pelos pélagos, que a edificaram em honra à ninfa Teti.

Outros afirmam que teria sido construída por Hércules, 53 anos antes da queda de Tróia (424 anos antes da fundação de Roma). A sua fundação também é atribuída aos refugiados troianos ou a uma colônia arcádica que a batizou de “Tegeate” em memória de Tegea, centro importante da Arcádia, ou ainda teria sido edificada por Aquiles e chamada “Teate” como homenagem à sua mãe.

A sua população, afeiçoada à lenda de Aquiles, consagrou o herói no emblema da cidade representando-o sobre um cavalo “rampante”, segurando na mão direita uma lança em um gesto de combate e na esquerda um escudo onde está desenhada uma cruz branca em um campo vermelho com quatro chaves que representariam as quatro portas da Chiete antiga.

A maior parte dos atuais historiadores consideram pré-indoeuropéia a origem do antigo nome da cidade e as escavações realizadas nesses últimos anos em volta da velha igreja de São Paulo trouxeram à luz os restos de dois templos itálicos construídos em blocos poligonais datados do IV século aC.

Em outras zonas, durante escavações ocasionais, foram descobertas numerosas tumbas de época pré-romana, também de origem itálica.

Natureza incontaminada e antigas tradições ou um novo modelo de civilização: o que aguarda o hóspede (e não o turista) à sua chegada?

Cada um encontrará a sua resposta nessa fusão entre o milenar passado, as férteis terras famosas pelo seu vinho e seu óleo de azeitonas, a diversidade de sua paisagem, os simpáticos e românticos vilarejos agrupados sobre os montes e o frêmito da vida moderna. (E A)

Esta matéria abre a série de reportagens assinadas por Eunice Ataide sobre a bela região de Abruzzo. No próximo domingo, o assunto será a natureza, história e gastronomia abruzesas.

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