O futuro da tecnologia aeronáutica brasileira

Desde a última quinta-feira, até hoje, boa parte do futuro da tecnologia aeronáutica brasileira está reunida em São José dos Campos (SP), para participar de um campeonato de aviões radiocontrolados. São quase 800 universitários de todo o País, e também da Venezuela e do México, disputando o décimo Sae Brasil AeroDesign. O evento reúne estudantes de cursos como Engenharia, Física e Ciências Aeronáuticas de 57 universidades diferentes, divididos em 77 equipes – quatro delas são do Paraná. Cada grupo é responsável por projetar e construir uma aeronave e, por fim, participar de uma competição de vôo. O campeonato é considerado referência internacional na área: até empresas do setor costumam garimpar talentos ali.

E não ouse chamar os aviões de aeromodelos. “São aeronaves radiocontroladas”, ressalta um dos diretores técnicos do evento, o engenheiro mecânico Gilberto Becker. Ele explica que o campeonato começa com as apresentações dos projetos e avaliação dos relatórios das equipes, no primeiro dia, e termina com os vôos das aeronaves, na pista de táxi do Aeroporto de São José dos Campos. Mas a competição, em si, inicia de três a quatro meses antes, quando as equipes começam o processo de desenvolvimento dos aviões. As avaliações, segundo ele, são rigorosas. “Os juízes dão grande valor para a parte técnica e teórica dos projetos. A parte prática é apenas o fruto do que eles projetaram e construíram”, detalha.

Categorias

A competição tem duas categorias: Regular, com aeronaves menores, e Aberta, com aviões de maior porte. A premissa, porém, é a mesma: “Os participantes são incentivados a projetar uma aeronave radiocontrolada que leve o máximo de carga possível”, explica Becker. Na classe Regular, os os aviões são monomotores, com cilindrada de 10 cc, e têm envergadura de até 3,8 metros. “As limitações geométricas são maiores e o motor, menor. A construção geralmente é mais simples e barata”, diz Becker. As aeronaves devem, ainda, ser capazes de decolar em uma distância máxima delimitada, de 30,5m ou 61m.

Já na classe Aberta, não há grandes restrições geométricas e nem mesmo no número de motores instalados. As principais exigências são que a soma das cilindradas dos motores não ultrapasse 14,9 cc, e que os aviões tenham até seis metros de envergadura. É preciso, ainda, que respeitem a distância máxima de decolagem de 61 metros. “Há também requisitos de segurança, e exige-se mais qualidade”, compara. O maior rigor tem razão de existir: a categoria inclui também pós-graduandos, ao contrário da Regular, que exige que os participantes estejam matriculados em uma faculdade.

Competindo

As competições de vôo em ambas as classes são parecidas. A aeronave tem que levantar vôo respeitando o limite estipulado de pista, dar uma volta completa no ar e pousar novamente, na mesma direção que decolou. Becker lembra que as equipes podem fazer até cinco vôos, tendo três chances de decolar em cada um.

Para a pontuação, são usados critérios como o peso – quanto maior a quantidade de carga que a aeronave levar, mais pontos obtém – e a acuracidade, que é a diferença entre a quantidade de peso que a equipe previu que o avião ia levantar, e quanto conseguiu. “Quanto mais precisa for a previsão, maior a pontuação”, diz Becker. O lastro, aplicado com barras de chumbo, impressiona: são cerca de 14 quilos na classe Regular, e 35 quilos na Aberta. “Daria para leva uma criança”, brinca o enge,nheiro.

Segundo Becker, o equilíbrio entre as equipes é comum todos os anos. “Sempre temos um campeão diferente. A maioria das equipes vencedoras é do Estado de São Paulo, mas dificilmente o mesmo grupo ganha por dois anos seguidos”, observa. As duas melhores equipes da classe Regular, e a melhor da Aberta, ganham o direito de competir na etapa mundial, chamada SAE Aerodesign East Competition, que acontece anualmente nos Estados Unidos. A qualidade, para Becker, é tão boa que o Brasil já venceu por três vezes, em cada uma das classes, a competição internacional. A atual campeã mundial da classe Aberta é, por sinal, uma equipe do Rio Grande do Norte. “Isso mostra a qualidade dos nossos alunos”, avalia.

Quatro equipes paranaenses

Divulgação
Equipe Aurora, da Universidade Positivo, reunida com o projeto (abaixo) e os modelos que foram competir em São José dos Campos (acima).

O Paraná está representado por quatro equipes no Sae Brasil: duas – Fênix e X-Goose – são da UFPR; uma – Aurora – da Universidade Positivo e uma – Anhanguera – da UTFPR. Os trabalhos da maioria começaram em meados de agosto. “Estamos muito confiantes no projeto, o avião está voando bem”, diz Roberson Parizotto, capitão da equipe Fênix. Nem mesmo uma queda do avião, decorrente de uma pane no motor, desanimou a equipe. “Tudo foi consertado a tempo.” Dificuldades acabam sendo comuns. O capitão da equipe Aurora, Cecil Skaleski, diz que a indisponibilidade de alguns materiais chegou a causar atrasos no meio do projeto.

Outro problema é reunir a equipe. “Trabalhamos aos sábados durante a tarde toda”, conta. Outro grande problema é arranjar patrocínio. Gilberto Becker, um dos diretores técnicos do evento, diz que os projetos são bancados por instituições da região de origem das equipes, que vão desde a própria faculdade da qual as equipes vêm, até empresas que entram com peças e serviços. Segundo Parizotto, participar do evento “demanda um investimento razoável, desde projeto, construção da aeronave e despesas de hospedagem e alimentação dos integrantes durante a competição”. A experiência também acaba contando: “O projeto desse ano tem muita coisa agregada dos projetos anteriores, isso contando com o que a equipe desenvolveu e também, é óbvio, com tudo o que aprendemos com outras equipes do Brasil”, diz. No final, ele avalia que todo o esforço vale a pena. “Os alunos aprendem a responsabilidade de ter uma etapa do projeto dependendo do desempenho dele, a confiar nos resultados dos outros.” O capitão destaca, ainda, a sensação em ver voando algo que começou em rabiscos em papel de padaria: “É uma emoção muito forte ver o seu avião levantando vôo e pousando. Parece que ele tem vida própria”.

Emprego na Embraer

Ex-aluno da UTFPR, o engenheiro mecânico paranaense Gilberto Becker credita a conquista de um emprego na Embraer à sua participação no Sae Brasil AeroDesign. “Consegui a vaga graças à competição”, conta ele, que fez um estágio de um ano e meio na empresa, onde é funcionário efetivo já há mais de quatro anos. Becker participa do evento desde a primeira edição, em 1999. Antes, ia como competidor, e hoje faz parte da organização. Ele diz que o evento é ótimo para quem deseja seguir carreira na área. “As empresas vêm e ficam de olho nos talentos”, observa. Além da SAE Brasil, 14 empresas e instituições de peso no setor estão por trás da competição: entre elas, a própria Embraer, a Líder Aviação, a Rolls-Royce e a Infraero.