Europa volta os olhos para região amazônica

Com a marcante redução dos recursos naturais e a saturação ambiental carreada pela aceleração industrial notadamente a partir dos anos 60, a Europa dirigiu sua atenção para a América Latina, com foco centralizado principalmente na região amazônica, celeiro da maior diversidade do planeta e o maior repositório de recursos naturais do mundo.

Dessa forma, a Europa entendeu que deveria juntar-se aos esforços de preservação da região que, em última análise, interessa a todos. Colaborou para isso, a visão de que a Amazônia, assim como outras partes do mundo, não escaparia à degradação do homem se ele não fosse esclarecido e auxiliado a viver em harmonia com o meio ambiente que o cerca.

Além de preservar, entendeu-se que as populações dessas áreas precisam manter-se nelas mas munidas de meios e suportes que lhes permitam sobreviver sem repetir os erros do esgotamento e da devastação, lembra o sociólogo Thomas Mitschein, coordenador-geral do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (Poema), da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem a União Européia (UE) entre as instituições que o financiam.

Tudo isso, sem esquecer que a região Amazônica ainda reúne condições ideais de reduzir desequilíbrios ambientais, como o efeito estufa, uma espécie de imposto estabelecido ao homem pela natureza para cobrar uma reflexão mais profunda quanto a sua própria sobrevivência. “Portanto, contribuir para que a Amazônia não seja dilapidada e se mantenha útil para o homem é uma obrigação de todos os povos, mesmo estando mais distante delas”, comenta Thierry Dudermel, conselheiro da delegação da Comissão Européia no Brasil.

É dentro desse grande painel que já na década de 70 uma outra postura passou a ser desenhada em diversos países e entender-se que a instauração de um modelo econômico de desenvolvimento que respeite o meio ambiente exige o empenho de todos. Esse pensamento é ainda um dos balizadores para que a UE – integrada por Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Espanha, França Irlanda, Itália, Áustria, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Suécia, Finlândia e Reino Unido – apóie esforços não apenas de conservação, até porque apenas preservacionismo não garante a permanência das florestas no futuro.

Para garantir a manutenção do meio ambiente, é preciso criar e reunir condições para que as comunidades instaladas nas áreas florestais possam delas tirar seu sustento mantendo seu capital em recursos naturais. O conjunto de ações visando a sobrevivência humana também refreia o deslocamento de contingentes rurais para os centros urbanos porque, não dispondo de infra-estrutura para absorver pessoas com pouca ou sem qualificação profissional, acabam empurrando-as para as periferias.

Açaí

Exemplo de iniciativa que bloqueia esses dois processos é o Projeto Açaí, instalado em Igarapé-Miri, município de 60 mil habitantes a 75 quilômetros de Belém (PA), para o qual a UE destinou 2 milhões de euros. Ele foi criado em 1999 e desenvolvido pelo Núcleo de Ação para o Desenvolvimento Sustentável (Poemar), uma organização da sociedade civil que viabiliza as ações do projeto Poema.

No início o projeto reuniu 17 famílias ribeirinhas que viviam basicamente da extração do açaí (Euterpe precataria) – fruto da palmeira que ocorre em várias regiões da Amazônia, com forte concentração no Pará -, madeira e cultivo da mandioca. Essa ação extrativista e desordenada, além de direcionar a palmeira para a extinção, uma vez que também era derrubada aleatoriamente para a venda do palmito, depreciava o valor do açaí.

Os extrativistas vendiam uma rasa (medida equivalente a 14 quilos) a R$ 0,50 para atravessadores que, além de não terem qualquer preocupação social com elas, também não exigiam produto de qualidade. Hoje, já com aporte financeiro também dos bancos da Amazônia (Basa), do Brasil (BB), do Estado do Pará (Banpará), ONGs e outras instituições oficiais, são mais de 260 famílias de 17 comunidades vivendo da retirada manejada do açaí, processado pela Unidade Agroindustrial de Igarapé-Miri (Uagrim).

A unidade agro-industrial, que custou R$ 271 mil, financiados pelo Fundo Constitucional do Norte (FNO), pertence à Cooperativa Agro-industrial dos Moradores e Produtores Rurais de Igarapé-Miri (Coopfrut), paga atualmente às famílias R$ 4,50 a rasa. Os produtores por sua vez, pagam R$ 1,00 a rasa de açaí para os peconheiros, que são os apanhadores do fruto. O produtor rural, Milton Machado, presidente da cooperativa, diz que “um bom peconheiro consegue tirar até 30 rasas por dia, no período da colheita”, que vai de agosto a dezembro.

O açaí processado e congelado é comercializado pela Coopfrut para os grandes centros consumidores como São Paulo e Rio de Janeiro, mas ela já se prepara para exportar para a Austrália, Suíça e Estados Unidos. A Austrália já importou 8 toneladas de polpa que viajaram 36 dias de Belém até Sidney. Atualmente, a cooperativa luta de forma ferrenha não apenas para impor um preço digno ao mercado comprador (O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem registradas 58 empresas processadoras de açaí na região), mas também para que a qualidade seja o principal item de exigência.

“Infelizmente os grandes compradores são os responsáveis pelo mau produto consumido nos grandes centros, pois eles não querem qualidade mas quantidade”, lamenta o engenheiro Raimundo Frazão, da Embrapa Amazônia Oriental, responsável pelo controle de qualidade da Uagrim.

Ele garante que a Coopfrut não abre mão da qualidade e que os produtores-sócios já se conscientizaram dessa premissa. “Daqui o produto sai exatamente dentro do padrão exigido pelo Mapa, mas sabemos que nos outros estados os consumidores recebem um produto com muita mistura, ou seja, com baixo valor nutricional”, diz Frazão. A Uagrim tem capacidade hoje para processar 88 toneladas diárias de polpa, o equivalente a cerca de 630 rasas de açaí, “mas estamos produzindo só 4 toneladas, enquanto aguardamos a instalação de mais duas câmaras frigoríficas”, informa o engenheiro.

A Uagrim oferece ao mercado três opções do produto. O açaí popular, que tem índice de massa sólida de 8 a 11%; o médio, com índice de 8,1 a 14% e o especial, acima de 14,1%. A embalagem de 1 litro de açaí processado e congelado é vendida a R$ 1,50; R$ 2,00 e R$ 2,80 respectivamente. A polpa exige congelamento imediato e uma vez aberta a embalagem começa a se deteriorar em meia hora. “É um produto muito delicado, daí também nossa preocupação com o controle sanitário”, explica o Frazão. O açaí é uma das principais fontes de renda para as comunidades ribeirinhas da Amazônia.

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