Solidariedade

Em suas andanças pelo Brasil, agora agradecendo os milhões de votos recebidos, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem surpreendido. Sempre o mais próximo possível do povo, ele procura cultivar aquilo que parece ser seu amuleto principal ? a empatia nas conversas olho a olho, onde autógrafos, abraços, tapinhas, acenos e até beijos fazem parte do ritual.

São incontáveis os casos de pessoas que vêm de longe, como numa santa romaria, para ver o homem que ainda sequer começou a governar e, por isso mesmo talvez, cerca-se da aura da esperança, palpável a pobres e descamisados. Da parte empresarial e daquela dos trabalhadores surgem propostas de colaboração. “Nunca vi na minha vida um povo com tanta vontade de participar”, admira-se Lula, narrando em discurso público que “as pessoas encostam em mim e não pedem nada, apenas dizem: eu quero ajudar, ser voluntário, trabalhar”.

Nem um mês após sua eleição, e já se dispõe de vasta literatura a perscrutar o mito, cujo estilo inspirou até conselhos do principal jornal americano (The New York Times) ao presidente George W. Bush. Há em Lula, disse o jornal em editorial recente, uma “oportunidade perfeita” para os Estados Unidos estabelecerem um tom saudável nas negociações com a América Latina.

No mundo inteiro fala-se do projeto de combate à fome, primeiro grito de guerra do presidente eleito, mesmo ainda sem uma configuração plausível. Coisas antes impensáveis são ditas e escritas, como aquela que insinua que se os Estados Unidos não adotarem uma posição de maior abertura comercial, sua retórica de livre comércio será vista como mera “hipocrisia egoísta”, sem chance para viabilizar a promessa da Área de Livre Comércio das Américas ? Alca. Há, assim, um efeito positivo interno e outro externo, que se alastra igualmente para o Mercado Comum Europeu, de onde também partem sinais positivos.

É nesse clima bom que vão surgindo idéias ? não exatamente novas, mas que até aqui são enumeradas sem contestação. Da mudança de conceito do que seja um carro popular à reforma previdenciária com um sistema único, não se ouvem as críticas de antes, lideradas pelo mesmo partido que se prepara para administrar o País. Lula, em sua lua-de-mel com o povo brasileiro, dá a impressão de que será capaz de tudo. E já promete um governo guiado pelo coração. “Na hora em que um ministro quiser tomar uma medida com base em estatísticas, ele vai saber que por traz daquele número tem uma mulher, um homem, um velho”, observa Lula, emocionado diante da multidão.

Uma multidão que agora é convocada a se organizar em “mutirão da solidariedade”. A largada para esse mutirão ditado por razões do coração seria, conforme sugeriu no discurso de Recife, uma visita simbólica que promoverá ao semi-árido nordestino, ao Vale do Jequitinhonha e a favelas dos grandes centros urbanos com todo o seu ministério, assim que estiver escolhido.

A idéia é boa. Tomara que o povo, de fato, responda ao apelo já tantas vezes feito por outros presidentes. Sem a sinceridade de Lula, é claro.

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