"Moda" perigosa

“Fumar cotonete” vira febre entre adolescentes e traz alerta para os pais

Jovens tem "fumado" cotonetes para viralizar nas redes. Foto: Eduardo Luiz Klisiewicz

Uma onda que tomou conta da internet nas últimas semanas está assustando os pais de crianças e adolescentes ao redor do mundo. Em vídeos que viralizaram, jovens “fumam” os bastões plásticos após acenderem uma das extremidades de algodão. A prática, logicamente, traz inúmeros riscos para a saúde, especialmente pela inalação de substâncias que compõem a parte plástica dos bastonetes.

Para descobrir quais são os riscos potenciais dessa estranha moda, a Tribuna do Paraná procurou médicos especialistas em doenças pulmonares, que alertam para a gravidade da prática.

Pneumologista do Hospital de Clínicas de Curitiba e professor do Curso de Medicina da Universidade Positivo, a Dra. Juliana Puka explica que a fumaça inalada nesta prática traz graves riscos à saúde especialmente pela presença de derivados do petróleo nas hastes.

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“É importante lembrar que a principal matéria-prima do plástico é o petróleo, ou seja, apesar de já existirem materiais renováveis ou biodegradáveis provenientes da cana e do amido, a maioria dos plásticos é uma complexa mistura derivada do petróleo. Assim, o cotonete, uma haste flexível feita de plástico, além de cheirar mal ao ser queimado, libera uma fumaça rica em carbono e gases tóxicos como, por exemplo, dioxinas, vapor de mercúrio e ftalatos [conjunto de substâncias químicas conhecidos também como plastificantes]. Já o algodão das suas pontas, apesar de ser uma fibra natural, por si só pode causar uma inflamação das vias respiratórias se inalado e, quando queimado, também pode liberar substâncias tóxicas, pois as lavouras convencionais de algodão são reconhecidas por serem as que mais utilizam agrotóxicos (inseticidas e pesticidas) no mundo”, explica a médica.

Fumar “cotonete” pode causar inflamação pulmonar

fumando cotonete
Foto: reprodução / YouTube.

Para o oncologista clínico do Hospital Erasto Gaertner, Dr. Gustavo Vasili Lucas, essa e outras “modas” semelhantes devem ser combatidas ao máximo por ter um grande potencial de causar doenças mais sérias, até mesmo o câncer.

“Vimos aí uma viralização em redes sociais de jovens, bem jovens até, fumando cotonete, algo totalmente nocivo para a nossa saúde. A princípio a prática de inalar plástico e algodão pode ser muito danosa ao nosso organismo, principalmente para a nossa via aérea, que compreende desde a boca, a nossa laringe, traqueia e pulmões. A fumaça realizada através da combustão, ou seja, da queima do plástico e do algodão, gera uma inflamação aguda. Ainda é tudo muito novo pra gente, mas o que já vemos é que é algo que de fato traz bastante efeitos nocivos num primeiro momento. Temos notado um aumento da incidência de inflamação, não somente por esse tipo de prática, mas outros tipos de inalações que vêm acontecendo aí, algo bem relacionado à moda”, conta o médico, que explica como os pulmões reagem à inalação dessas substâncias:

“A tendência do nosso organismo ao entrar em contato com a fumaça ou até mesmo a combustão do plástico e do algodão, é uma forma de defesa. O próprio pulmão vai liberar diversas substâncias que são inflamatórias e então o nosso organismo vai sofrer justamente com isso. Ainda é um pouco cedo para se falar sobre a possibilidade de câncer, mas na nossa lógica isso teria relação se a pessoa fumasse com certa frequência. A gente sabe que quanto mais você leva a uma inflamação pulmonar maior a chance de se levar a um câncer de pulmão”.

Danos imediatos provocados pela fumaça

E mesmo que a prática não leve a uma consequência tão grave quanto um câncer, os especialistas relatam outros possíveis danos a saúde que podem ocorrer com a inalação das substâncias presentes nas hastes plásticas e no algodão.

“A inalação de fumaça costuma dar boca seca, dor e ardência na garganta, rouquidão, lacrimejamento e vermelhidão dos olhos, dificuldade para respirar, cansaço, tosse seca, dor de cabeça, náuseas e dores abdominais. Especificamente em relação a esse tipo de fumaça, há risco de queimaduras, dermatite, sensação de sufocamento, crises de asma, enfisema pulmonar e, de acordo com a quantidade e o tempo de exposição, náuseas, vômitos e alterações neurológicas e psíquicas como formigamento de extremidades, alteração de comportamento e visão turva. A longo prazo, ainda pode ocorrer um tipo de descamação de pele dolorosa denominada cloracne, doenças cardiovasculares, danos graves ao sistema nervoso como fraqueza muscular, dificuldade motora, alteração de fala, perda auditiva e visual, neuropatia periférica, danos ao fígado e aos rins, e alterações hormonais e reprodutivas que vão de problemas de tireoide a infertilidade, malformações fetais e aumento de mamas e nádegas nos homens”, enumera a médica pneumologista, que compara os efeitos do “fumo do cotonete” ao uso de cigarros eletrônicos.

“A exposição a fumaça ou produtos químicos pode causar inflamação difusa dos pulmões, como já observado em usuários de cigarro eletrônico. Se isso ocorrer, alguns casos podem melhorar com o tempo, porém há grande risco de sequelas incapacitantes e até mesmo a morte”, complementa.

Alerta aos pais

Como normalmente ocorre quando modas ou desafios surgem na internet, o conselho dos médicos é que os pais estejam sempre alertas para identificar eventuais alterações na saúde ou mesmo no comportamento de seus filhos. No caso dessa brincadeira perigosa, os sintomas mais fáceis de serem observados pelos pais são as alterações respiratórias.

“Geralmente o principal sintoma que o adolescente, ou quem quer que seja que tenha inalado, é a falta de ar súbita logo após a ação. O aconselhado é que se procure um serviço de urgência porque muitas vezes é necessário que se façam exames de imagem para uma melhor investigação. Se a gente puder dar um alerta é que se conscientize, que se converse com os adolescentes sobre os potenciais riscos que enfrentariam diante de uma exposição ao fumo de alguma substância como o cotonete. Tentar ter uma conversa de perto com as crianças, com as famílias, para que nunca se submetam a isso. Muitas vezes eles não sabem dos riscos, mas é algo com extremo potencial para um problema maior”, destaca o oncologista.