Travesti assassinado na rodovia BR-116

O batom foi cuidadosamente retocado num vermelho intenso, para combinar com as unhas das mãos e dos pés, pintadas em igual tom. O top – também vermelho – fazia um bom contraste com os cabelos castanhos. Completava o traje a calça jeans, muito justa, para salientar os dotes físicos.

A sandália branca, de salto alto, e a bolsinha da mesma cor, eram os acessórios finais para mais uma noite de “batalha” à margem da BR-116, no Tatuquara, onde o travesti “Débora” de 29 anos, fazia ponto.

Na certidão de nascimento ele foi registrado Emerson Cabral, mas há muito tempo havia abandonado o nome e a vida de rapaz, para assumir sua identidade feminina. Ganhava a vida se prostituindo e, nas horas vagas, entregava-se ao vício do crack.

Na noite de sábado, por volta das 23h, “Débora” saiu de casa com um visual “pop”, em busca de novos clientes. Precisava faturar bastante para fazer as compras de Natal e ainda guardar algum para adquirir as pedras que sustentavam seu vício.

Morava com a mãe, na Vila Palmeira, de quem se despediu com um beijo no rosto. Mas o travesti andou apenas 400 metros em direção ao seu destino, e levou um certeiro tiro na nuca, que o fez cair morto ao lado do telefone público existente na Rua João Amadeu Pedro Bom.

Testemunha

Alguém ouviu o tiro e chamou a polícia, que encontrou o corpo estendido no chão. Nenhuma pista do criminoso. Também não apareceu qualquer testemunha. O caso é mais um grande mistério para a Delegacia de Homicídios esclarecer.

No lado esquerdo do corpo, um copo de plástico com marca de batom demonstrava que “Débora” vinha bebendo alguma coisa. Na bolsinha branca estavam todos os seus poucos pertences: documentos, o batom vermelho para poder retocar os lábios de vez em quando, e um preservativo. Aparentemente nada foi roubado, descartando a hipótese de latrocínio.

Um detalhe intrigante para os curiosos era um pé de meia branca, usado, com o bordado lateral do símbolo de um time da capital, que estava bem próximo do pé de “Débora”. Mas a peça já poderia estar ali, no momento do crime, esquecida por algum torcedor embalado por bebida alcoólica.

A mãe do rapaz foi até o local da morte e, misturada aos outros moradores das imediações, de longe observava o trabalho da polícia. Ela contou que “Débora” era usuária de crack, mas não sabia se estava recebendo algum tipo de ameaça.

O investigador Lima, da Delegacia de Homicídios, também esteve no local, mas não apurou nada de importante. A expectativa da polícia é de que os parentes ou amigos do travesti ajudem na investigação, fornecendo pista ou revelando detalhe da vida dele que possa levar ao assassino.

Rumores entre os curiosos diziam que “Débora” poderia ter sido morta por algum cliente, na hora do acerto do programa, mas o travesti havia saído de casa pouco antes e aparentemente não se encontrou com ninguém.

Outra possibilidade é de que o tiro que o atingiu na nuca, de forma certeira, tenha sido disparado de longe, por alguém que passava de carro e ao vê-lo fez os disparos à esmo. Muitos travestis reclamam que motoristas que não gostam deles fazem “tiro ao alvo” quando os encontram sozinhos pelas ruas ou na margem da rodovia.