Traficantes e viciados, em plena luz do dia, comercializam crack

Rua São Francisco – centro histórico de Curitiba – 16h da ensolarada tarde de sexta-feira. Uma lanchonete repleta de clientes; pedestres caminham pela calçada; o cuidador de carros comanda o entra-e-sai dos veículos nas vagas; a agente da Diretran monitora o prazo deles no estacionamento regulamentado. Em meio a este cenário, aparentemente normal, um comércio paralelo funciona a "todo vapor". Pedras de crack são vendidas na calçada a qualquer um, em qualquer momento, aos olhos de quem passa pela rua. Usuários consomem o entorpecente ali mesmo, e os moradores, amedrontados, perdem o direito de ir e vir. Eles temem a reação dos traficantes, dos "vapores" e dos usuários. Do 5.º andar de um apartamento, a equipe de reportagem da Tribuna flagrou o mortal comércio da droga, desde o momento do sinal feito pelo "vapor", para oferecer a mercadoria, até a chegada da polícia, quando suspeita da movimentação.

O centro está infestado de assaltantes, que praticam roubos rápidos, às vezes até sem armas, justamente para comprar o entorpecente oferecido pelos traficantes. Na Praça Tiradentes, quem desce do ônibus pela manhã, está correndo sério risco de ser roubado por um viciado, que amarga a fissura de conseguir dinheiro para a compra de uma nova pedra. Em meio aos assustados transeuntes, uma mulher surge inesperadamente, irritada, revoltada e pronta a denunciar o caos que virou o centro histórico, a rua com nome de santo, o lugar onde ela mora. Cansada de procurar autoridades e de se ver à mercê dos drogados, que consomem a pedra na "cara dura", em frente a portaria do prédio onde mora, ela pede socorro.

Corajosamente, leva a reportagem pra dentro de sua residência e da janela do quarto, no quinto andar de um edifício classe média, descortina a cruel verdade.

Em poucos minutos é confirmada a veracidade do seu desabafo.

Flagrante

Enquanto prostitutas fumam cigarros e bebem cerveja na sacada do prédio de número 181 – imóvel histórico e abandonado – da Rua São Francisco, outras ficam em frente, observando o movimento. Durante quase duas horas, cerca de dez pessoas entram e saem. Enquanto isso, um rapaz de camiseta vermelha anda de um extremo ao outro da rua. O mesmo trajeto é feito por dois outros indivíduos, um usando camiseta amarela e outro, de braço enfaixado, vestindo jaqueta preta. "Estes três são os que passam a droga. Tudo acontece muito rápido", avisa a dona do apartamento.

Os suspeitos conversam rapidamente com as prostitutas que estão na calçada e depois de fazer alguns sinais, como simular um chute no chão, seguem para a esquina das ruas São Francisco e Riachuelo. Em alguns minutos, outra pessoa passa e apanha algo no chão, provavelmente a droga dispensada. O comércio do crack, até então discreto, escracha-se por volta das 17h, quando dois garotos apanham a mercadoria com o traficante de braço enfaixado. Debaixo da marquise, ali mesmo, os usuários consomem a pedra com o cachimbo fornecido pelo traficante de camiseta amarela que, acompanhado de duas mulheres, recebe o dinheiro pelo crack. Tudo ocorre rapidamente e assim como o grupo se formou, ele rapidamente se dispersa.

Abordagem

Meia hora depois, transferindo o ponto de observação da janela do apartamento para a calçada da rua, a reportagem acompanha a abordagem feita pela polícia a um dos usuários, que ainda está sob o efeito da droga. O traficante de braço enfaixado, que até então permanecia tranqüilamente sentado sob a marquise de uma loja de calçados (na esquina com a Avenida Cândido de Abreu), desaparece do local, como num passe de mágica. O usuário tem 18 anos e antecedente criminal por uso de drogas. Os policiais o abordam porque no dia anterior ele já tinha sido flagrado usando entorpecentes no mesmo local. "Nós sabemos que aqui o consumo é grande, principalmente no prédio onde se reúnem as prostitutas. O problema é que quando eles nos vêem fardados, logo dispensam as pedras e não conseguimos prender ninguém em flagrante. Estamos de braços atados", lamenta o policial.

Isqueiros e embalagens de pedras de crack permanecem jogados pelo chão. Jovens feito "zumbis", continuam perambulando pelas ruas, à espreita de uma nova vítima ou em busca de uma nova pedra. A esperança dos moradores do centro, de que as coisas venham a melhorar, se esvai como a fumaça que sai do cachimbo do viciado, este também um desesperançoso, um doente em busca de ajuda.

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