Presos do Centro de Triagem de Piraquara denunciam “armação”

Detentos do Centro de Triagem de Piraquara, inaugurado há quase 90 dias, denunciaram ontem à reportagem da Tribuna que estão sendo instigados por dois agentes nomeados (ex-policiais) para se rebelarem contra a direção. “Não temos por que fazer isso”, alegou um dos detentos, que prefere não ser identificado para não sofrer represálias. Os nomes dos agentes foram informados à direção, que prometeu tomar providências e afastá-los.

O detento contou que os dois agentes desobedecem as ordens da direção de atender os presos que passam mal dentro do xadrez durante a noite. “Queremos paz, tranqüilidade e liberdade. Esses funcionários não têm nosso apoio”, garantiu um interno. Ele enfatizou que o objetivo desses agentes mal-intencionados é de que algum interno morra dentro da cadeia. “Aí não tem jeito de segurar. O pessoal vai se revoltar”, afirmou.

Outro detento revelou que alguns presos acreditam nas palavras dos funcionários da casa e até tentam convencer outros internos.

“Nós não queremos isso. Sabemos que a situação irá piorar é para o nosso lado. A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco”, argumentou outro detento.

Um dos denunciantes alegou que nunca contou o fato para nenhum dos funcionários, pois temia ser punido até mesmo com a própria vida. “Estamos falando agora porque sabemos que dessa forma não iremos ser prejudicados”, salientou o interno. “Esses agentes maltratam a gente”, completou outro detento. “Somos seres humanos, queremos ser tratados com respeito”, disse um preso. “O comando não abre espaço para esses funcionários. Só querem usar a gente”, disse um dos presos, referindo-se aos detentos que lideram as galerias e são respeitados pelos outros.

Providências

O delegado Sebastião Gaspar, que dirige o Centro de Triagem de Piraquara, informou que um dos agentes denunciados pelos detentos já foi afastado. “O funcionário foi afastado por ter implicado com familiares de internos e feito ameaças a um dos presos. O outro deverá ser afastado imediatamente para apurarmos as irregularidades. Precisamos de pessoas aqui que nos ajudem a manter a ordem e garantir a segurança e não para instigar motim”, ressaltou o delegado, que prometeu levar os nomes dos acusados para o delegado-geral Jorge Azôr Pinto e para a Secretaria da Segurança Pública.

Delegado promete algumas melhorias

O delegado Sebastião Gaspar, que dirige o Centro de Triagem de Piraquara, prometeu atender as reivindicações dos presos. “O próprio governador determinou que os presos carentes tenham tratamento jurídico, médico e odontológico”, enfatizou o delegado.

Ele disse que também está trabalhando para dar serviço aos presos que querem trabalhar. “Também vamos alfabetizar os interessados”, salientou. Quanto aos presos que estão doentes, ele prometeu removê-los para tratamento médico. “Inclusive para um deles, que tem problema na perna, estamos marcando uma cirurgia pelo INSS.” (VB)

CT imita prisão americana

Em funcionamento deste o dia 4 de novembro do ano passado, o Centro de Triagem, instalado no Complexo Penitenciário do Paraná, em Piraquara, é uma cópia de um presídio americano. A construção, que custou aos cofres públicos mais de R$ 10 milhões e ainda deverá ser reformado e consumirá mais R$ 200 mil, é uma cópia americana, que pode ser vista em um seriado denominado “OZ”, transmitido pelo SBT.

As portas e portões são computadorizados e há câmaras de vídeo por toda a parte. Até os alambrados, as escadarias e chuveiros são iguais ao americano, inclusive as distâncias entre o parlatório e as entradas e saída. Todo o material é importado. “Na minha opinião, existe material nacional da mesma qualidade. E muito mais barato”, opinou o delegado Sebastião Gaspar. Uma porta só é aberta, pelo próprio sistema, depois de fechada outra. Da mesma forma ocorre com os portões. Os agentes, que de acordo com a direção são 70 – a maioria policial militar ou civil aposentado – não tem muito contato com os presos.Na maioria das vezes só os encontram para levá-los até o parlatório para falar com os advogados.

Segurança

Para evitar retirar os detentos da cadeia, até as audiências serão feitas no Centro de Triagem. O teste, de acordo com o delegado Sebastião Gaspar, começa no próximo dia 2 de fevereiro. “Uma empresa de telefonia já está instalando tudo”, relatou Gaspar.

Ele adiantou que em breve serão abertas mais três alas para abrigar mais 90 presos, entre eles 35 policiais civis, que hoje estão recolhidos no xadrez da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos. “Este espaço era para ser transformado em oficinas para os internos. Mas a determinação é para abrigar outros 90 e contratar mais 18 agentes”, disse o policial, relatando que os gastos do governo com a reforma ficarão na casa dos R$ 200 mil. (VB)

Inédito: abaixo-assinado para ficar na cadeia

A maioria dos 613 recolhidos no Centro de Triagem de Piraquara colocou seu nome em um abaixo-assinado pedindo para permanecer naquela cadeia. “Claro, que temos as nossas reclamações, mas aqui é melhor que as delegacias e que o sistema penitenciário. O Centro de Triagem de Piraquara devia ser transformado em um minipresídio”, argumentou O.M., 38 anos, preso por estelionato. “Aqui ninguém espanca a gente”, justificou.

Segundo ele, os internos gostam da direção. “Sabe porquê? O delegado vem até aqui para nos ouvir. Não faz tudo que pedimos, mas sabemos que ele está lutando para melhorar. Perto de outras cadeias, aqui é bem melhor e mais limpo”, ressaltou. “Aos poucos as coisas estão melhorando. Só que só uma blindada (marmita) não dá. Tinha que vir mais”, disse J.L.M., 19, que está preso por furto. “Na questão do atendimento a gente é bem tratada, mas precisamos de algumas coisas urgentes”, disse E.B., 32, preso por roubo. “Vemos o esforço da direção, mas precisamos de melhorias.”

Reclamações

Entre as melhorias requeridas pelos internos está assistência médica, jurídica e odontológica. Os próprios detentos da galeria “C” visitada pela reportagem ontem, mostraram dois internos com problemas: um deles teve a perna amputada e está infeccionada. O outro corre o risco de perder a perna se não for medicado com urgência. “O sistema não está puxando quem precisa. A maioria quer ficar e os poucos que precisam ir para frente não vão”, reclamou J.W.M., 43 anos, condenado por homicídio.

Apesar de estarem trancafiados junto com dezenas de homens, os internos também se preocupam com a aparência. “Eles até dão aparelho de barbear para a gente, mas é o mesmo para todo mundo. Não tem higiene nenhuma”, enfatizou um dos internos, que prefere não ser identificado. Outro mostrou o dente da arcada inferior quase caindo, sem contar as cáries. Já um outro, alegou que passou a noite em claro com dor de dente. “Um dentista aqui seria bem-vindo”, salientou O.M..

Trabalho

Outra reclamação é a falta de atividade para os internos, que passam o dia desocupados. “Queríamos trabalhar aqui. Costurar bola, montar grampos, qualquer coisa para passar o tempo e nos sentirmos úteis”, solicitou um detento. “Além disso poderíamos ganhar algum dinheiro trabalhando”, disse.

Os presos também querem diversão. “Alguém podia doar uma bola para fazermos um campeonato. Já liberaram um professor de capoeira para cada galeria. Eles estão presos e dispostos a ensinar”, disse. (VB)

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