Negligência familiar é uma realidade no Estado

Mais que os problemas financeiros, de saúde e exclusão do convívio social, a dependência química dos pais é responsável por uma das principais formas de violência contra crianças: a negligência familiar.

Pais e mães são, disparado, os protagonistas de violação dos direitos da criança e do adolescente. Isso quer dizer que eles deixam de dar alimento, abrigo, roupa ou amor às crianças pelas quais são responsáveis. Sem contar os casos de violência e maus-tratos.

No Paraná, 43,2% do total de violações de direitos partem dos pais, sendo 23,7% de responsabilização da mãe e 19,5% do pai. E a história não muda muito quando a criança fica com outros responsáveis, além de tios, avós, madrastas e padrastos.

Juntos, eles respondem por mais 8,6% do total de violação de direitos no Estado. As informações são do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal, que é alimentado com informações repassadas pelos conselhos tutelares.

Em casos de negligência, os responsáveis podem ser punidos pelos crimes de abandono de incapaz e por maus tratos, previstos no Código Penal. E, para a criança vítima de negligência, os sinais podem permanecer.

De acordo com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), as crianças vítimas de negligência podem não apresentar um desenvolvimento físico ou emocional normal, com prejuízo no relacionamento social e no diálogo. Sem receber amor dos pais, as próprias crianças crescem não demonstrando amor ou ficar indiferentes com as pessoas com quem convive.

Abrigos

Na tentativa de se evitar a negligência de pais usuários de álcool ou outras drogas com os filhos, o que pode provocar inclusive morte das crianças pela falta de cuidado, os órgãos responsáveis são obrigados a retirar a criança do convívio da família para manter seu bem-estar.

Interferir no ambiente familiar é necessário para evitar situações extremas, como a registrada semanas atrás em Maringá, no noroeste do Estado, quando um bebê de apenas 25 dias morreu por negligência dos pais, ambos usuários de droga.

Este não foi um caso isolado. Só na região de Maringá, o Ministério Público registra, em média, dois casos por semana de pedido do Conselho Tutelar para afastamento da criança da família pelo uso de droga de pelo menos um dos pais.

O número é considerado alto pela promotora da Infância e da Juventude de Maringá, Mônica Louise Azevedo, já que esses casos se referem à última alternativa tomada pelo Conselho Tutelar, que ao constatar a situação de risco tenta orientar e encaminhar os envolvidos para programas de apoio e proteção.

“Em decorrência de problemas familiares, Maringá tem hoje cerca de 50 crianças abrigadas”, estima a promotora. Antes de se recorrer ao abrigo, o Conselho Tutelar tenta encontrar algum parente que possa tomar conta da criança.

Sentimento varia muito entre mães

Continuar com os filhos mesmo sem poder oferecer a estrutura psicológica necessária ou abrir mão da proximidade levando em consideração o melhor para as crianças.

O sentimento de mães usuárias de drogas que foram afastadas de seus filhos por conta do vício varia muito. Enquanto muitas mantêm o sentimento materno e a saudade dos filhos enviados para abrigos, outras reconhecem que essa é a melhor opção para eles. Pelo menos enquanto passam pelo período
de recuperação.

Grávida de seis meses, A.D., de 24 anos, passa por um programa de tratamento e está tentando decidir como será o futuro de seu segundo filho (ela já tem uma filha de cinco anos).

“C,omecei a recuperação grávida de cinco meses, quando ainda estava fumando crack. O tratamento acaba em agosto e o bebê deve nascer em junho. Penso em doá-lo. É um ato de amor, porque eu não vou ter condições financeiras nem psicológicas de criá-lo”, diz.

Aos 29 anos, S.T., moradora de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, tem seis filhos. Três deles (um de três meses, um de três e outro de seis anos) estão morando em abrigo. A filha mais velha, de 13 anos, mora com o pai, o filho de nove anos está com a madrinha e a de quatro anos com a sogra de S.T.

Usuária de crack, S.T. também passa por tratamento e conta que, mesmo grávida, continuava usando a droga. Agora, ela planeja mudar de vida para reencontrar seus filhos, afastados dela há cerca de um ano.

“A primeira coisa que quero fazer quando sair daqui é pegar meus filhos de novo. Se não fosse por eles, provavelmente nem pelo tratamento eu estaria passando. Eu estaria nas ruas de novo, usando crack”, admite.

A história de A.P., 30 anos, é parecida. Após quatro anos de uso intenso do crack, período em que chegava a gastar mais de R$ 100 por dia no vício, A.P. decidiu tentar uma mudança. Também com seis filhos, tem dois deles, um casal de gêmeos, vivendo em abrigo há mais de um ano.

“Depois que foi constatado meu problema com o crack, pelo qual cheguei a levar três tiros, meus filhos ficaram com meu marido. Como ele também era usuário, eles acabaram no abrigo”, conta.

Sua irmã está tomando conta de um de seus filhos e os outros três estão com a mãe de A.P. Ela acredita que, temporariamente, é a melhor solução. “Se primeiro eu não ficar bem comigo mesma, como ficar bem com eles?”, questiona.

“Estados e municípios não cumprem o ECA”, diz liderança da OAB

Ter programas públicos de tratamentos aos pais dependentes de álcool ou outras drogas não é o suficiente. Para a presidente da Comissão da Criança e do Adolescente na Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Márcia Caldas Vellozo Machado, faltam programas focados em ajustes familiares.

“Estado e municípios não cumprem as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Hoje não temos programas de qualidade e com pessoas qualificadas para o serviço. Temos um número tão grande de lares para crianças que se torna quase impossível manter um programa unificado para a família”, critica.

Falta de investimento e de programas incisivos da iniciativa pública é um dos principais entraves para a busca de recuperação efetiva dos usuários de drogas, concorda o presidente da Comunidades Terapêuticas Associadas do Paraná (Compacta), Flávio Lemos. “Não se investe como deveria e não há preocupação real em tratar essas pessoas”, critica.

Entre as iniciativas privadas de tratamento em Curitiba, a Casa de Recuperação Água da Vida (Cravi) é uma comunidade terapêutica que atua na recuperação de pessoas envolvidas com uso de drogas.

O regime de internamento, com duração de seis meses, prevê trabalhar a autonomia das mulheres com o apoio de equipe multidisciplinar, com auxílio psicológico, de orientação espiritual, de serviço social e de terapia ocupacional. A ideia é ocupá-las o dia todo para trabalhar a reinserção social, estimulando a hierarquia e a liderança.