Mais crianças prontas pra venda

Mais duas meninas – uma de 1 ano e 6 meses e outra de pouco mais de 2 anos – estavam prestes a serem levadas do Brasil para os Estados Unidos, pelo traficante de bebês James Todd Bursch, 33 anos, preso na noite de anteontem, pela Polícia Federal. Ambas já estavam registradas como filhas legítimas de Todd, que, segundo a polícia, seria membro importante de uma quadrilha internacional especializada no comércio de crianças. As meninas foram encontradas no bairro Centenário, em companhia de um casal, de aproximadamente 50 anos, responsável por dar o atendimento necessário a elas.

O casal, detido por volta das 17h, explicou à PF que cuidada das meninas porque a mãe – uma empregada doméstica – não tinha condições para criá-las. Mas disseram também que não sabiam onde encontrá-la nem tinham contato com ela. Todd, no entanto, freqüentava sempre a casa, onde também morou a babá identificada como Raída, detida na noite de anteontem, quando cuidava de um bebezinho de 3 meses, a mando de Todd. O bebê, a exemplo das garotinhas, estava registrado em nome do traficante e este havia iniciado o processo de guarda da criança, para poder levá-la para os EUA.

As três crianças foram encaminhadas à Vara de Família de Colombo.

Investigação

A história, ainda confusa porque a Polícia Federal não libera todas as informações, temendo que a divulgação possa atrapalhar os trabalhos, começou no Alto Maracanã, em Colombo, onde o bebê de três meses e a babá Raída foram localizados. Em seguida ocorreu a prisão de Todd, que iria receber US$ 8 mil para enviar o garotinho – que já levava o nome de David Bursch – para os EUA. A mãe biológica, que havia vendido o bebê, receberia R$ 8 mil. Ontem de madrugada, ela – identificada como Melissa Taís de Matos, 29 -, que é funcionária pública municipal, foi presa.

Interrogada, confirmou que registrou o bebê em seu nome e no do americano, como se fosse filho legítimo dele. Depois concedeu a guarda do bebê ao suposto pai, que levaria a criança para os Estados Unidos. De acordo com a Polícia Federal, a criança já havia sido encomendada por uma americana, que pagou os US$ 8 mil adiantados.

Negando ter "negociado" o próprio filho, Melissa tentou justificar à PF o depósito de R$ 8 mil em sua conta bancária, dizendo que era sócia de James em um negócio internacional de madeiras.

Interrogatório

O delegado Francisquini, da Polícia Federal, revelou uma parte do interrogatório de James. Ao ser perguntado sobre os valores combinados para a venda dos bebês, o americano apenas respondeu que a quantia era suficiente para ficar rico. Para extorquir mais dinheiro dos casais interessados na adoção, a quadrilha ia aumentando o valor combinado inicialmente, aproveitando-se da fragilidade emocional que os casais iam adquirindo ao longo da negociação. Na madrugada também foram ouvidas a babá Raída e o advogado Oscar Guiss.

No início da noite de ontem, o delegado Francisquini informou que estavam sendo feitos levantamentos em cartórios de registros civis de quatro cidades onde Todd morou – São Paulo, Goiania, Foz do Iguaçu e Curitiba -, para apurar se ele registrou outras crianças em seu nome, já que ele estaria morando no Brasil há 11 anos, dos quais cinco em Curitiba. Estavam sendo apurados também registros em nomes de pessoas ligadas ao americano aqui no Brasil.

Prisão

Todd foi preso por volta das 17h30 de terça-feira, no Alto Maracanã, após investigações em conjunto da Polícia Federal e da Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Sobre os motivos que levaram à investigação, um comentário pelos corredores da Polícia Federal dava conta de que havia uma denúncia feita pelo Ministério Público, desconfiando de James e Melissa, que marcaram audiência para decidir a guarda do garotinho de 3 meses. Porém, antes de dar à luz, em janeiro, Melissa havia procurado a promotoria para oferecer o bebê para doação, alegando que não teria condições de criá-lo. Depois não retornou ao Fórum quando a criança nasceu. Estranhamente, mais tarde apareceu o pedido de guarda em favor do americano.

Babá teria feito a denúncia

Segundo o advogado Oscar Guiss foi a babá Raída quem denunciou o americano James Bursch à Justiça, após uma discussão no dia 26 de abril. "Ela me telefonou e disse que o James a estava ameaçando de morte. Raída contou que ele fazia uso excessivo de álcool. Orientei que ela procurasse a promotoria, que deu a guarda provisória do bebê para ela", contou o defensor.

Guiss disse que James costumava atender o telefone celular no quintal. Ele recebia diversas ligações de uma mulher chamada Michele – que ele dizia ser sua irmã – cobrando porque a criança ainda não tinha ido para os Estados Unidos. "Ela fala inglês fluentemente. Por isso, sabia o que ele falava", disse. "Esta Michele também começou a me ligar com freqüência para saber como estava o processo da guarda da criança", revelou Guiss.

Michele e James já estavam sendo monitorados pela Polícia Federal, através de escutas telefônicas, mas o conteúdo das conversas não foi informado. A polícia acredita que Michele seja a mulher que "comprou" a criança do americano.

PF bate em apartamento errado

Joelma, moradora do apartamento 203, entrou em contato com a redação da Tribuna, e contou que sua casa foi vasculhada por policiais federais. Eles tinham um mandado de busca e apreensão, com a informação de que James teria morado naquele apartamento. Após constrangimentos com a portaria e vizinhos do prédio, Joelma teve a informação, junto ao delegado Francisquini, da Polícia Federal, que o endereço do mandado estava digitado incorretamente, tratando-se do apartamento 303, o real local onde morou o americano.

Joelma e seus familiares reconheceram James quando o viram pela televisão, mas disseram que não tinham nenhum contato além de cumprimentos no elevador e entrada do condomínio. Também comentaram que, segundo boatos que ouviram pelos corredores do prédio, o americano já teria levado um bebê de cor negra aos Estados Unidos.

Advogado presta depoimento

O advogado Oscar Guiss esteve na tarde de ontem para entregar um e-mail dos Estados Unidos, de uma mulher chamada Michele, que seria irmã de James, mas tudo indica que seria a compradora do bebê. Ele não comentou sobre o conteúdo do e-mail. O defensor foi contratado por James Bursch para providenciar a guarda da criança. Guiss, que chegou à polícia às 20h de terça-feira e deixou o local às 3h de ontem, após prestar depoimento, disse que no início do mês de março James compareceu em seu escritório, no centro da cidade, para contratá-lo para providenciar a guarda do bebê. O americano explicou que a guarda seria amigável, já que mãe concordava com o processo. Depois apresentou a certidão de nascimento, registrada no Cartório do 3.º Ofício, a carteira de vacinação do bebê e a carteira de identidade. Além de um atestado médico, que a criança havia nascido prematura e com desnutrição e que ele financiou todo o tratamento médico. "Eu disse que teria algumas condições para aceitar o caso. A primeira era ver como a criança vivia", salientou o defensor.

No dia seguinte Guiss foi até a casa no Jardim Guaraituba, em Colombo, onde o bebê estava com a babá Raída. "Ela cuidava bem da criança e confirmou toda a história contada por James. Disse-me que a criança iria para os Estados Unidos morar com ele e a mãe dele", salientou Guiss. Ele explicou que aceitou a causa pelo valor de R$ 2 mil para ajuizar o pedido da guarda da criança.

Audiência

No último dia 25 de abril teve audiência na Vara de Família em Colombo, onde Melissa e James confirmaram todas as informações. "Ela foi ouvida separadamente e disse que iria dar a guarda para James porque ele teria melhores condições financeiras e poderia dar uma educação melhor à criança", afirmou o advogado. No dia 26, ele esteve no Fórum da cidade para buscar o termo da juíza, mas foi informado que ainda não havia sido assinado.

Outro "falso" filho está nos EUA

O advogado José Ivo Procópio esteve na manhã de ontem na Polícia Federal e disse que já telefonou para a família de James Todd Bursch, para providenciar dinheiro para contratar um advogado criminal para o acusado. Ele contou que o americano levou uma criança para os Estados Unidos em 2.003, que hoje está vivendo com a mãe dele, no Alabama. Procópio disse que Todd teve um relacionamento amoroso com a mãe da criança, Rita Gomes, em Colombo. "Ela disse que o filho era dele. Um ano e meio depois, ele fez exame de DNA e descobriu que não era", justificou Procópio.

Por dois anos (em 2001 e 2002), Todd morou no Edifício Dom José, na Rua José Loureiro, 267, centro.O porteiro do prédio, José Polaquini, revelou que o americano morava no apartamento com Rita. Ela já tinha uma menina e estava grávida. O porteiro conta que depois do nascimento do novo bebê, um garoto, o casal brigava muito e acabou separando-se uns dois ou três meses depois. José também conta a mesma história que James contou à polícia, dizendo que depois da separação, levou o filho para morar nos Estados Unidos com sua mãe.

Vizinhança

Para uma comerciante que tem loja próximo ao prédio, James estava acima de qualquer suspeita; dizia à vizinhança que era dono de um cybercafé. "Ele sempre trazia o filho aqui e tratava a criança muito bem. Nunca desconfiamos de nada. Apenas sabemos que o motivo provável da separação dele com a Rita, era de que ele descobriu não ser pai do garoto", diz a comerciante. Clientes da loja dizem que o americano levou seu pai umas duas ou três vezes na loja. Em outra vez, levou um outro rapaz, que apresentou como sendo um amigo.

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