Luciana aparece e explica esquema de extorsão

Apontada como mentora da rede de pedofilia associada a extorsões, Luciana Polerá Correia Cardoso, 21 anos, falou ontem, com exclusividade, à reportagem da Tribuna e ao programa Tribuna na TV sobre sua participação no esquema. Ela promete se apresentar à polícia, nos próximos dias, e contar tudo sobre o golpe que aplicava há dois anos, com a ajuda de policiais. Para isso, seu advogado, José Feldhaus, irá pedir garantias e benefícios à Justiça para sua cliente. "Vamos ver a possibilidade da revogação de sua prisão preventiva e, depois, o benefício da delação premiada, já que minha cliente tem fatos novos que são desconhecidos até então, que podem ajudar nas investigações", salientou o defensor.

Luciana afirmou que irá contar toda a verdade. "Amanhã ou depois quero recomeçar minha vida do zero". A jovem garante que não foi ameaçada pelos policiais quando o esquema foi descoberto. "Só falaram para eu sumir do país. Os policiais do 7.º DP iam fazer uma ?vaquinha’ para eu ir para fora. Eles diziam que eu ia ser a maior prejudicada, porque eu era a aliciadora e a minha pena seria maior do que a deles". No período em que estava foragida, ela contou que não permaneceu em Curitiba. "Estava em um hotel com diárias pagas pelos policiais", disse.

Esquema começou há dois anos

Luciana declarou que o esquema começou há dois anos, quando uma mulher lhe convidou para participar da armação, já que ela tinha contato com policiais. Para colocar o golpe em prática, sua irmã chamou outras três colegas, que estudavam em um colégio público, no Portão. Segundo ela, desde o início, só participaram do esquema quatro meninas, uma de 14 anos, duas de 13, e outra de 12 anos.

Luciana contou que outra pessoa (o nome ela deverá revelar à Justiça), conversava com empresários pela internet, em um primeiro momento. Posteriormente, era feito um contato telefônico, em que esta pessoa oferecia a menina para o cliente. Em seguida, o encontro era marcado em um motel ou no apartamento de Luciana, no bairro Fazendinha. "Alguns clientes achavam perigoso levar as meninas para o motel", justificou Luciana. Ela disse que, quando o encontro era marcado em seu apartamento, sua irmã levava as meninas, um pouco antes da chegada do cliente.

Luciana entrava em contato com os policiais, que ficavam aguardando dentro do apartamento. Sempre uma garota, maior de idade, participava do "programa sexual". "As meninas entravam no quarto e quando saiam enroladas em uma toalha, era o sinal de que o cliente e elas já estavam nus", relatou a jovem. Neste momento, um policial entrava no quarto, com uma filmadora nas mãos e fazia a extorsão.

De acordo com a acusada, quando o encontro era marcado no motel, ela mesmo acompanhava as adolescentes, junto com outra mulher. Luciana disse que as meninas entravam no motel no porta-malas do veículo ou escondidas atrás do banco. "Os policiais ficavam nas proximidades. Quando já estavam todos nus, eu ia ao banheiro e telefonava, do meu celular, para eles invadirem o motel".

Extorsões

Luciana contou que a maioria das extorsões era feita no próprio motel e o dinheiro era dividido somente entre os policiais que faziam o flagrante. "Quando o cliente não queria pagar, iam para a delegacia, onde a pressão era maior", salientou. Na delegacia, o dinheiro arrecadado era dividido entre os policiais que foram até o local do encontro, o delegado, o escrivão e os plantonistas. "Eu cheguei a ganhar R$ 3 mil, R$ 1,5 mil. Dependia de onde era a extorsão. Na delegacia, eu não acompanhava, porque eu era vítima também. O superintendente pegava o dinheiro e dividia". Segundo a jovem, geralmente os policiais pediam entre R$15 e R$ 20 mil, mas a vítima da extorsão nunca pagava o valor real. De acordo com Luciana, entre os clientes de pedofilia, estava o prefeito do interior do Paraná, que pagou R$ 30 mil aos quadrilheiros.

Segundo ela, havia um acordo entre a quadrilha, que determinava que as vítimas não fossem deputados, promotores de Justiça, juízes, nem advogados, já que estas pessoas poderiam "causar problemas".

Uma extorsão por semana

Luciana garante que não é a mentora do esquema. "Eu até queria sair, mas não dava mais", disse. Segundo a jovem, associada com a polícia ela fazia, em média, uma extorsão por semana, porém houve semanas em que o esquema foi feito todos os dias.

Ela denunciou que, nas semanas em que os encontros sexuais não eram marcados, os policiais lhe telefonavam para obrigá-la a arrumar novos clientes. "Eles me ligavam e diziam que estavam precisando de dinheiro, que era para eu arrumar um cliente logo".

Segundo a jovem, os policiais queriam saber o endereço das meninas. "Eu nunca repassei. Não sei porque eles queriam. Talvez para fazerem contato direto com elas e me tirar do esquema", disse.

Luciana teme que sua atitude de se entregar à polícia e contar tudo o que sabe possa lhe custar a própria vida. "Agora eu não tenho medo, mas, daqui há cinco anos, não sei o que pode me acontecer".

Um dia "a casa cai"

Luciana disse que o delegado Edson Costa, do 4.º Distrito Policial (São Lourenço), só não foi preso em flagrante por policiais da Corregedoria da Polícia Civil, porque foi avisado, minutos antes, que as cédulas estavam marcadas. Ela acusa o delegado de ser o responsável por fazer o esquema desandar.

Luciana contou que, no dia 28 de abril, policiais levaram o empresário Adi Sfredo, 53 anos, até o 4.º Distrito, após surpreendê-lo no motel com uma garota de 12 anos e lhe pediram R$ 15 mil para "esquecer o assunto". O empresário teria alegado que só teria a quantia no outro dia e avisou o filho, estudante de Direito. O rapaz foi até a Corregedoria e voltou com R$ 5 mil para entregar ao delegado. Porém, antes mesmo do jovem chegar na delegacia, Costa teria recebido uma ligação avisando que iria ser feito o flagrante. Segundo Luciana, por este motivo o delegado não quis pegar o dinheiro e avisou que iria fazer o flagrante, o que fez com que o rapaz implorasse para que ele não autuasse seu pai e aceitasse a quantia. Minutos depois, chegaram os policiais da Corregedoria.

Luciana disse que, para fazer o flagrante, o delegado Edson Costa a colocou como vítima e trocou seu nome para Gisele, constando que ela teria 17 anos. "O pessoal foi embora e, duas semanas depois, o delegado me procurou e queria que eu apresentasse os documentos da menina de 12 anos. Avisei que eu não podia, pois os pais dela não sabiam do esquema", contou. De acordo com Luciana, após muita insistência do delegado, ela o levou até a casa da garota. "Ele ficou na esquina e eu fui buscá-la. A menina começou a chorar. Um vizinho avisou a irmã dela, que foi até o carro ver o que estava acontecendo. O doutor Edson disse para a irmã dela, que a menina tinha sido vítima de um pedófilo. Por isto ele estragou o esquema", explicou Luciana.

Após os familiares da menina de 12 anos descobrirem o que estava acontecendo, a mãe dela procurou o diretor do colégio que, por sua vez, avisou a patrulha escolar. Os policiais militares chegaram a encontrar Luciana, que foi encaminhada ao 8.º Distrito (Portão). "De lá, telefonei para o pessoal do 7.º DP e avisei: ?a casa caiu?. O 8.º DP não quis aceitar o caso. Então, me levaram para o Nucria, que também não aceitou. Ai fui para o 4.º DP", contou.

Ela disse que, no 4.º Distrito, o delegado Edson Costa "comprou" o advogado que acompanhava a família de Luciana, pelo valor de R$ 1 mil. "Eu tive que assinar o documento com meu nome. Depois, o delegado me chamou na delegacia em um sábado e eu fiquei treinando fazer uma assinatura diferente, o dia todo, já que a primeira vez eu tinha assinado Gisele com a minha letra. Iam comparar e descobrir tudo", entregou.

Nem todos estão presos

"Faltam mais policias e pessoas grandes. Tem gente que não é polícia", afirmou Luciana, sobre os 12 policiais e dois assistentes de segurança presos no último dia 19. Segundo ela, estão envolvidos no esquema um delegado e dez policiais do 7.º Distrito (Vila Hauer); os dois delegados e quatro policiais do 4.º Distrito (São Lourenço); quatro policiais do 12.º Distrito e um soldado da Polícia Militar. Além de outras pessoas que não pertencem aos quadros da polícia. Luciana promete dizer o nome de todos à Justiça.

Ela aproveitou a entrevista para aliviar as acusações contra o seu tio, o ex-policial militar Lincon Lima dos Santos, que foi o primeiro acusado de participar do esquema, a ser preso. "Ele agia como se fosse um secretário meu. Ganhava dinheiro, mas não participava de nada", afirmou. Ela também garantiu que o delegado-geral Jorge Azôr Pinto, não está envolvido na trama. "Ele não sabia. Inclusive, os policiais tinham medo de que eu contasse para ele. O Azôr me conhece desde pequena, ele ia na minha casa, tenho o telefone dele, mas isso não tem nada de mais", avalia. "Eu nunca contei para ele o que estava acontecendo".

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