Impunidade

Fugir das delegacias no Paraná não é tarefa tão difícil para os detentos

Neste ano, Contenda, Cambé, Bandeirantes, Guarapuava, Ivaiporã e Goioerê foram algumas das cidades paranaenses que viraram palco de uma situação muito delicada e perigosa: a fuga de presos em delegacias. O cenário poderia ser ainda pior se não fossem contidas diversas tentativas, como no 12.º Distrito Policial de Curitiba, no bairro Santa Felicidade. A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) não quis repassar dados sobre o número de fugas em delegacias no Paraná ou mesmo comentar o assunto. Mas, em um levantamento rápido e informal de notícias publicadas, é possível verificar diversos casos somente em 2008 no Estado.

A última fuga noticiada aconteceu na delegacia de Goioerê, na semana passada. Após uma tentativa de fuga, oito presos foram colocados provisoriamente no isolamento para não gerar uma rebelião. Enquanto estavam no isolamento, eles usaram colheres fornecidas para refeição para abrir um buraco na parede e fugiram. Policiais conseguiram recapturar três dos fugitivos.

Existem alguns motivos para tantas fugas em delegacias. Na opinião do delegado Edson da Rosa, de Goioerê, um fator que contribui bastante é a morosidade da Justiça. “Hoje, este é o carro-chefe das reclamações dos presos, a demora nos processos. Antigamente, as reclamações eram por causa de comida, de solário”, comenta o delegado, que acaba sendo responsável por 88 presos, abrigados em um espaço para apenas 32.

Esta é a mesma avaliação da presidente da Comissão de Estabelecimentos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil seção Paraná (OAB/PR), Lúcia Beloni Corrêa Dias. “Falta a aplicação da lei de execução penal. Ninguém pode ficar preso em delegacia. Os presos precisam estar em um local adequado. Tem preso que já deveria estar em liberdade e ainda fica na delegacia”, afirma.

Para o delegado Osmar Dechiche, da delegacia de São José dos Pinhais, as péssimas condições dos locais onde os presos ficam também motivam as fugas. “Muitos presos pedem para ir ao sistema penitenciário porque lá existem mais condições. A delegacia virou uma cadeia improvisada e lógico que a estrutura não é para cadeia. Isso tudo causa vontade no preso de buscar a liberdade”, esclarece Dechiche. A delegacia onde ele trabalha tem capacidade para 35 presos, mas abriga 90. O número, há pouco tempo, era de 152.

Segundo o delegado, a partir do momento que é feita a prisão em flagrante, cumprido o mandado de prisão e a Justiça comunicada, o preso não é mais da polícia. “Muitos estão ali na delegacia com direito à liberdade, à progressão do regime. Cumprindo o direito, haveria uma folga muito grande”, declara Dechiche.

Investigadores são obrigados a cuidar de presos

A enorme quantidade de presos nas delegacias, além de facilitar as fugas, causa transtornos. Um deles é o desvio de função de investigadores, que deixam de cumprir suas atividades primárias para cuidar dos presos. “A gente não perde audiência, leva para hospital. Mas temos três investigadores e eles acabam tendo que cuidar dos presos. Diretamente, o preso não é prejudicado. Indiretamente, a população é prejudicada porque os investigadores não fazem seus trabalhos”, considera o delegado Edson da Rosa, de Goioerê.

Para ele, é necessário investimento em profissionais que cuidem especificamente da carceiragem. “Muitos falam de melhorar a estrutura. Aqui existe segurança. Mas para 32 e não para 90”, afirma.Outra medida que pode coibir as fugas é melhorar o andamento dos processos na Justiça.

“O Judiciário precisa dar uma agilizada nestes processos. Quando os presos vêem que o processo do outro está andando, eles vão se acalmando”, opina o delegado de Goioerê., “Seria necessário juntar o Judiciário, o Ministério Público, a polícia para que o preso tenha o direito dele”, assegura o delegado Osmar Dechiche.

Números

Normalmente, vários presos fogem de uma única vez. Pela estrutura precária e improvisada, quando os policiais se dão conta, vários já conseguiram fugir. “Porteira que passa boi, passa boiada”, compara Dechiche. “Os presos que realmente têm vontade de fugir são as lideranças”, conta. “Até dar o alerta, até ir ao local, muitos já fugiram”, relata o delegado Edson da Rosa. A Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) foi contatada durante uma semana pela reportagem, mas não atendeu aos pedidos de entrevistados que pudessem comentar sobre o assunto.