Álcool gera violência em Prudentópolis, diz juíza

Há dez anos na magistratura, sete em Prudentópolis, na região dos Campos Gerais, a juíza Jeane Carla Furlan fala de sua comarca com a propriedade de quem está integrada à comunidade, vive seus hábitos e costumes. Contou que administra 2.300 processos e que o Juizado Especial está frustrando o povo, porque tinha nele um órgão de distribuição rápida da Justiça, o que não o corre por falta de estrutura. Jeane julga sua comarca violenta em razão do excessivo uso de bebidas alcoólicas, consumidas pela comunidade de origem polonesa e uraniana, etnias predominantes na população do município. “Os jovens começam a beber muito cedo e se armam também muito cedo”, conta, acrescentando, por outro lado, que foram poucos os casos registrados pelo uso ou tráfico de drogas ilegais. Quanto à Operação Mãos Limpas, Jeane acha que o programa poderá trazer bons resultados se bem estruturado e integrado com todos os órgãos de combate à violência, o crime organizado e a corrupção. Na sua opinião, o Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná é conservador, principalmente em relação ao do Rio Grande do Sul, onde as decisões são mais avançadas, arrojadas. “Mas isso é questão cultural. O gaúcho é mais audaz”, garante.

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? Como está a sua comarca?

Carla

? Hoje está totalmente informatizada. Temos computadores, alguns mandados pelo Tribunal de Justiça pelo convênio com o Banco Itaú, antigo Banestado, e outros que foram adquiridos por advogados e doados ao Poder Judiciário, principalmente os que funcionam no Juizado Especial Cível. Temos agora, e tenho reclamado muito isso com o Roberto Bacellar, uma saturação dos processos nos Juizados. Fechamos o ano de 2002, no Juizado Especial Cível com mais de quinhentos processos, mais de quinhentas distribuições, no ano retrasado com mais de mil e este ano já passamos de cem em apenas um mês. O Juizado Especial Criminal está com pauta para outubro, já. E temos audiências terças, quartas, e quintas de manhã e de tarde, e terças e quintas à noite ainda. As instruções fazemos terças e quintas à noite. Então estamos trabalhando muito, nomeamos mais quatro conciliadores, mas não temos lugar para fazer estas audiências. Tenho apenas duas salas de audiências no Fórum. Então, mesmo que se tenha mais conciliadores, ficamos sem local apropriado para receber as pessoas, e tentar os acordos nos Juizados.

O que temos notado, nos últimos anos principalmente nos últimos dois anos, é que os Juizados cresceram absurdamente e não há por parte do Tribunal de Justiça nenhuma iniciativa, pelo menos que seja do meu conhecimento no sentido de reaparelhamento dos Juizados especiais tanto do Cível, quanto Criminal. E isto nos tem causado, além da sobrecarga, uma ansiedade, porque a população tem na cabeça a imagem do Juizado operante e rápido e estamos caindo na triste constatação de que os Juizados estão cada vez mais lentos por causa da falta de estrutura. Então tenho solicitado isso junto ao Roberto, junto ao corregedor da última gestão. Reivindiquei isso ao desembargador Tadeu, para que o Tribunal reveja o Código de Organização Judiciária e planeje as estruturas das Comarcas Iniciais, para que sejam aparelhados os Juizados de modo que funcionem adequadamente, e que a população tenha respostas rápidas no Juizado. Porque o que tem acontecido é que o juiz, já com todo o trabalho que possui, tem uma carência estrutural muito grande nos Juizados, então às vezes o funcionário não é capacitado, normalmente eles são “pescados” nas prefeituras, estão à disposição do juiz em uma situação de praticamente ignorância, eles não têm idéia da função que exercerão, você tem que capacitá-los, e uma vez capacitados o prefeito acaba nos retirando o funcionário. Então estamos sempre à mercê de estarmos treinando pessoal que não faz parte do quadro judiciário. Esta é a dificuldade maior que tenho. O meu Fórum foi recentemente reformado, então a questão física está ótima, na informática, todos os nossos esforços foram neste sentido. Tenho minha sala de audiências, todos os gabinetes distribuidor, Cível, Criminal, Juizados todos eles são informatizados. Então quanto a isto, eu sempre busquei otimizar o processo e tenho conseguido isso.

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 ? A senhora é juíza só do Juizado Especial?

Carla

? Não. Sou juíza de entrância inicial, do Crime, do Cível, do Eleitoral, dos Juizados Cíveis e Criminais.

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 ? Como está a parte criminal?

Carla

? Olha, com a lei dos Juizados Especiais,reduziu o número de processos na Vara Criminal, mas isso não significa que reduziu a criminalidade. Aumentou o número de processos no Juizado Especial Criminal. Então hoje nós estamos com o julgamento de réu preso com no máximo sessenta, quarenta dias.

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 ? Há muitos processos criminais?

Carla

? Com execução, cerca de trezentos.

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 ? E cíveis?

Carla

? Uns 1.200. Mais uns oitocentos nos Juizados, o que dá 2.300 processos.

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 ? E a senhora tem força para conduzir esta carga?

Carla

? Força física, juventude? Todo juiz tem isso, já entramos na carreira com a mentalidade de ter sobrecarga, mas a experiência vai nos ensinando a driblar esta sobrecarga. Tenho alguns estagiários que me ajudam, então estas questões mais banais eu rascunho, ou já tenho um posicionamento formado, então eles já sabem conduzir o processo sem muita consulta, então ajuda bastante.

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 ? O ideal seria mais uma vara?

Carla

? Já foi pedido isso no Tribunal, mas foi entendido que Prudentópolis não tem movimento suficiente para implementar mais uma vara, e neste caso não seria possível por ser uma entrância inicial. Deveria ser elevada a entrância intermediara para comportar outra vara. Acho, pela região, estou há sete anos lá, que os poloneses e ucranianos têm uma tendência muito grande ao conflito, o que é muito diferente de outros lugares. Descendente de poloneses e ucranianos dificilmente faz acordo, são pessoas que tem um temperamento mais agressivo. Eles são muito desconfiados do seu próximo, acham que estão sempre sendo enganados. Então, em função disso, a gente não consegue contemporizar muito com eles, apesar do esforço. Então isso gera muita demanda processual.

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 ? O que a senhora pensa a respeito da Operação Mãos Limpas?

Carla

– Bem, eu vim aqui disposta a ouvir e modestamente emitir alguma opinião sobre este assunto, e acho que precisamos começar isso imediatamente neste Estado, em todos os níveis que puderem ser ativados. Não só na administração pública direta, nas polícias, como em todos os setores da comunidade que nós tenhamos acesso. Nos moldes da Itália, se formos pegar o projeto Mãos Limpas que aconteceu lá, com algumas modificações por conta do nosso sistema judicial, nós vamos conseguir bons resultados. Contamos com a boa vontade do governador, que se dispôs hoje e sempre estar ao nosso lado. Mas vejo o Poder Judiciário, mais ativamente, pouco poderia atuar. A atuação mais efetiva fica por conta das polícias e do Ministério Público, porque o juiz já esta mais longe da investigação. O juiz já recebe o processo com a investigação pronta. Mas o que estiver ao nosso alcance, no sentido de dar sugestões, apresentar projetos, enfim, sempre mais cabeças pensam melhor que uma só. É destes debates que fazem surgir espaços para que encontremos soluções.

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 ? Qual é a população de Prudentópolis?

Carla

? No ultimo censo tinha 54 mil habitantes.

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 ? É uma comarca violenta?

Carla

? Prudentópolis é uma comarca violenta em função do seu tamanho, pelo alto consumo de bebida alcoólica. Como as pessoas são descendentes de ucranianos e poloneses e têm isso em sua cultura, lá os jovens começam a beber muito cedo e se armam também muito cedo. Então os homicídios que nós temos, as lesões, brigas, mortes, todas, acredito que cerca de 90% da criminalidade estão, de alguma maneira, envolvida com o consumo de bebida alcoólica.

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 ? E questão das drogas ilegais?

Carla

? Olha, apesar de dizerem que Prudentópolis é a rota do trafico, ano passado a polícia militar fez uma apreensão grande, mas foi encaminhado para a PF porque não foi presa nenhuma pessoa, porque a droga estava no mato, acho que guardada. Tenho uma condenação, acho que de uma mulher traficando maconha e também de um rapaz. Isto no último ano. Só que o juiz é sempre o último que sabe a respeito do tráfico. Então, quando a coisa está muito escrachada a polícia acaba levantando algumas situações, e a gente fazendo uso da força especial, pra ter essas investigações, porque o crime organizado e o trafico são muito bem estruturados, eles fazem a coisa pra não serem descobertos.

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 ? E qual a sua opinião sobre a atuação do Poder Judiciário?

Carla

? Olha, a ressalva que eu teria para fazer ao nosso tribunal em relação aos demais do Sul é que ele tem se mostrado um pouco conservador. Sou formada no Rio Grande do Sul, e temos lá decisões mais arrojadas. Claro que isso se dá até por uma questão cultural, mesmo porque o gaúcho sempre foi pioneiro e mais audaz, até. Lógico, isso não é uma crítica destrutiva, acho que com o tempo vai se modificando.

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