Vergonha extraordinária

No final do ano que passou, o Senado aprovou a toque de caixa uma emenda paralela à reforma da Previdência. A idéia era amenizar a situação do funcionalismo público, inconformado com o corte de algumas vantagens em extinção. A apreciação incontinenti dessa emenda foi a razão principal alegada para a convocação extraordinária do Congresso, do próximo dia 19 até o dia 13 de fevereiro. Pois bem. Anuncia-se agora que a tal emenda paralela não chegará ao plenário da Câmara tão logo. A matéria está, ainda, na Comissão de Constituição e Justiça, onde o tempo de maturação é de duas semanas, e depois seguirá para a Comissão Especial, que ainda será criada.

Está certo, não é por falta de pauta que o Congresso deixará de trabalhar em hora extra. Mas a finalidade principal já não conta, para desgosto dos diretamente interessados. Na Câmara, estão na fila 25 propostas de emendas constitucionais e projetos de lei, além de 26 medidas provisórias (o presidente Lula já desponta como campeão em MPs). No Senado, igualmente, trabalho é o que não falta, segundo a crônica brasiliense, a começar pela encantada reforma do Judiciário e outros temas escolhidos a dedo. Exceto a emenda à Constituição que acaba com o recesso parlamentar de janeiro e julho, já pronto para votar em plenário.

A convocação extraordinária, portanto, vai continuar. É um “problema” sobre o qual o Congresso “tem de meditar”, segundo José Sarney, o presidente do Senado, “para verificar como se pode compatibilizar os recessos com a convocação extraordinária, para não haver nenhum desgaste para os parlamentares”. A referência ao entrevero havido entre Sarney e o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, contrário à convocação, é clara. Sarney sempre fala pela metade.

Interessante: o desgaste do contribuinte não conta. Pelo menos para os condestáveis do Planalto. E dizer que vamos pagar vinte e cinco mil reais para cada deputado ou senador pelo trabalho extra de apenas vinte dias corridos, fora o salário normal do mês e mais aquele recebido somente porque o ano legislativo está começando… Aliás, neste mês de janeiro da graça e do sacrifício, cada parlamentar brasileiro embolsará exatos R$ 63,6 mil, fora mordomias com correio, passagens aéreas, gasolina, habitação e outras tantas que lhes transformam a vida em paraíso. De fato, Sarney tem razão: é preciso meditar…

Desde 1988 os parlamentares vêm recebendo ininterruptamente para trabalhar nas “férias”. No entanto e invariavelmente, quase nada de importante acontece nesse período. O atrativo financeiro é o que conta – o mesmo atrativo que está postergando os debates sobre a redução da folga. Uma das propostas – existem pelo menos seis, uma delas tramitando há longos nove anos – preconiza a redução a 45 dias (um mês entre 15 de dezembro e 15 de janeiro e quinze dias entre 15 e 30 de julho), já demais para os padrões dos demais cidadãos brasileiros, mais da metade deles em “férias permanentes” porque sem emprego.

Mesmo assim, por implicar em corte de vencimentos, a redução do tempo de recesso à metade do atual está sendo remetido para vigência a partir de 2007 apenas. É um cuidado especial para que haja coincidência com o fim dos mandatos dos atuais deputados e de um terço dos senadores. Como restam dois terços de senadores, não faltará quem haverá de propor que, a partir de então, o “direito adquirido” das férias de agora seja incorporado aos salários normais. De todos os senhores parlamentares.

Ora, está na hora de o parlamento brasileiro se ocupar dos grandes problemas nacionais, entre eles emprego, produção, desenvolvimento, bem-estar social, segurança e outros, incluindo este das brutais diferenças entre representantes e representados (não podemos esquecer também daquela entre julgadores e julgados) que constitui nossa vergonha extraordinária.

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