Vergonha e perplexidade

Perplexidade, vergonha, indignação, falsidade e traição foram as palavras mais usadas por dirigentes e militantes petistas desde o depoimento de Duda Mendonça, mais um publicitário inserido nos debates sobre a insidiosa promiscuidade entre público e privado, cujas nuanças verdadeiras estão sendo desnudadas a cada momento.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura da reunião ministerial de ontem, não apenas revelou o amargo sentimento de ter sido atraiçoado por pessoas próximas, como pediu desculpas à nação pelo drama político instalado no âmago do sistema partidário.

Lula não poupou seu próprio partido, embora não tenha feito qualquer referência nominal a dirigentes da executiva atolados até os cabelos no pantanoso terreno da manipulação de altíssimas quantias em operações tipificadas como crime eleitoral. Todavia, foi taxativo ao proclamar que os culpados, pertençam ao PT ou a quaisquer outros partidos, comprovada a culpabilidade, devem enfrentar os rigores da lei.

Duda Mendonça fez revelações que atingiram, no plexo solar, o presidente da República e seus ministros, além de dirigentes do partido, parlamentares e a militância em geral. O senador Aloizio Mercadante, cuja campanha teria sido paga com recursos advindos do valerioduto, contrafeito, reconheceu não ser este o PT ao qual dedicou vinte anos de militância.

Muitos deputados petistas já falam em abandonar o partido enquanto a oposição, em visível constrangimento, não oculta a probabilidade da abertura do processo de impeachment do presidente. A última pesquisa realizada pelo Datafolha tornou real a expectativa crescente entre os analistas: hoje Lula perderia no segundo turno para José Serra.

O processo de desgaste do governo e do PT, iniciado com as acusações feitas por Roberto Jefferson a José Dirceu e José Genoino bateu também na pessoa de Lula, apesar do inaudito esforço feito por muitos para isentá-lo dessa escabrosa crônica.

Tendo acertado com a cúpula do partido a elaboração e condução do marketing político da campanha presidencial, de alguns governadores e a de Aloizio Mercadante, Mendonça contou ter recebido o combinado, convencido de que o dinheiro tinha procedência legal. Na campanha de 2004, novamente chamado para cuidar do marketing de vários candidatos do PT a prefeito, inclusive em Curitiba, a remuneração não ocorreu segundo o contrato prévio.

Parte do pagamento foi feita pelo publicitário Marcos Valério e o dinheiro depositado numa conta aberta no BankBoston International, nas Bahamas, em nome da empresa de fachada Dusseldorf, que Duda Mendonça foi aconselhado a abrir no citado paraíso fiscal. ?A empresa já veio pronta do banco?, confessou, adiantando que o PT ainda lhe deve cerca de R$ 15 milhões.

Não foi sem motivos que o presidente Lula se apresentou à nação para pedir perdão. Partido como o PT, construído sobre princípios de ética e transparência na vida pública, que sempre exigiu dos adversários a lisura ora encoberta pela gosma de hipotético estelionato eleitoral, fica obrigado em primeiro plano a purgar todas as suas culpas para só então lançar-se na disputa eleitoral, refundado, conforme o entendimento do ex-ministro Tarso Genro, presidente da executiva nacional.

Os próximos dias se afiguram para o governo um legítimo Rubicão. Do presidente se aguarda a tomada de providências enérgicas e consoantes com o tom do discurso de ontem. A postura de chefe de Estado felizmente substituiu as recentes manifestações do candidato declarado à reeleição, e a humildade do pedido de desculpas dá consistência à determinação de ser rigoroso no trato com os desleais.

Lula não está isolado nessa luta difícil. Transpor com coragem a linha entre a condescendência e a condenação da pilantragem, fará o presidente recobrar o ânimo e o respeito da maioria.

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