Vacas continuam magras

O presidente Lula disse a seus auxiliares, e repetiu muitas vezes, que não lhe agradam os que vivem a reclamar da falta de recursos. Reclama quem não tem competência ou criatividade para fazer coisa melhor. Ou quem tem pouca vontade de trabalhar. Entretanto, até agora, o que o governo federal fez foi exatamente reclamar da falta de recursos, alegando, inclusive, uma herança maldita que não tem mais fim.

A última vez que isso aconteceu foi na quarta-feira. Durante reunião em que estava presente seu colega José Dirceu, da Casa Civil, o ministro Antônio Palocci, da Fazenda, desanimou governadores e prefeitos ao dizer que a fonte secou definitivamente: não liberará nada dos restos a pagar do orçamento do ano passado (coisa de quase dois bilhões de reais); não liberará mais um centavo sequer do orçamento deste ano e, para desagrado geral, que ninguém fique esperando o dinheiro deste ano no ano que vem. Não haverá restos a pagar de 2003 se quiserem realizar o orçamento de 2004.

A notícia (ou melhor, as três notícias, já que uma só, assim ruim, é bobagem) estourou como uma bomba. Tem governador e prefeito que estava contando com alguma grana de Brasília para pagar contas importantes como, por exemplo, o décimo terceiro salário do funcionalismo neste final de ano. Outros, contavam com dinheiro extra para alavancar a campanha eleitoral do ano que vem. Fim de linha: “Infelizmente, as dificuldades que eu previa no começo acabaram se confirmando e a situação do País não permite a liberação de recursos”, disse, sem cerimônias, o ministro Palocci. E ponto final.

A situação parece mais estranha quando se sabe que, de todo o montante que estava previsto no orçamento deste ano para investimentos, o governo realizou apenas oito por cento. E oito por cento representariam, como já andam dizendo por aí, “verba zero”. Ironias à parte, o governo do PT não investe em estradas, não investe em saneamento, não investe em habitação, gasta pouco com reforma agrária, e não investe em obras. Em compensação, gasta tudo em seguro-desemprego e outras caridades mais, na equivocada esperança de dar início ao prometido espetáculo do crescimento que não vem.

Exagero? Vejamos alguns números: o governo Lula já esgotou os recursos previstos no orçamento de 2003 para pagamento de seguro-desemprego – R$ 5,5 bilhões. Em compensação, gastou apenas 0,01% do orçado (R$ 17.574) no programa de geração de emprego e renda. No mesmo ritmo de investimentos estruturais praticamente nulos e despesas obrigatórias elevadas que permeiam toda a área social, o governo aplicou na malha rodoviária sucateada que possuímos apenas R$ 109,9 milhões de um total de R$ 1,18 bilhão previsto. Nem mesmo no setor de estradas terceirizadas o programa foi cumprido. O governo deixou de gastar inclusive o dinheiro previsto para a vigilância epidemiológica e ambiental em saúde: do previsto, investiu apenas 35,5%. Em saneamento básico, que geralmente não dá voto, aplicou míseros 2,7% do total orçado. Nem mesmo na reforma agrária o governo investiu o que poderia ter investido (apenas 18,98% do previsto).

Essa situação reforça a idéia de que o Estado existe cada vez mais em função de si mesmo (salários, gastos burocráticos, etc.), esquecido de suas finalidades de promotor do bem-estar social dos cidadãos e das obras básicas necessárias à população. Embora nunca tenhamos pago tantos impostos, de tudo o que arrecada pouco sobra para que nos volte na forma de obras ou serviços, exceto alguns daqueles ligados ao setor da duvidosa caridade, tipo “fome zero”. Por essas e por outras, é a reforma do Estado a que maior importância assume nesta quadra de vacas magras, infelizmente ainda existentes, a despeito da recente observação presidencial de que elas já passaram todas.

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