Urgente revisão da Lei dos Crimes Hediondos

O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acaba de propor, muito oportunamente, a realização de um sério balanço da chamada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). Depois dela a criminalidade só cresceu, o sistema penitenciário está à beira do colapso total, muitos grupos organizados formaram-se dentro dos presídios, criminosos de pouca periculosidade foram arregimentados por organizações criminosas nesse ambiente pernicioso etc.

O déficit de vagas no sistema prisional é de 3.500 por mês. Sete penitenciárias deveriam ser construídas a cada trinta dias para resolver o problema do encarceramento. O país não tem condições de fazer isso. É preciso, portanto, verificar se os custos dessa lei não estão sendo maiores que seus benefícios. Recorde-se, a propósito, que a lei dos crimes hediondos: (a) exige o cumprimento de 2/3 da pena em regime fechado; (b) não permite a progressão de regime (para o semi-aberto ou aberto); (c) não permite fiança ou anistia ou mesmo liberdade provisória; (d) não autoriza indulto nem o direito de apelar em liberdade (salvo casos excepcionais) etc.

A legislação penal no Brasil e na América Latina, nos anos 90, foi marcada por duas características muito conhecidas: simbolismo e punitivismo. É uma legislação simbólica porque não é aprovada para resolver nossos verdadeiros problemas (nossos conflitos). A preocupação central é acalmar a ira da população, que anda revoltada com os altos índices de violência. Legisla-se para contentar as elites, a mídia assim como a parcela insatisfeita da sociedade. O punitivismo (que atende o inconsciente coletivo) revela-se patente na criação de novos crimes, aumento de penas, endurecimento da execução, corte de direitos e garantias fundamentais etc.

Desde 1990 bate-se, no nosso país, nessa mesma tecla punitivista. A lei penal é “vendida” como o “remédio” certo para a enfermidade (da violência endêmica). Passa-se o tempo e nota-se que o remédio não funcionou. Aumenta-se, então, a sua dose. A verdadeira causa, entretanto, não é enfrentada. Combate-se o mal em seus efeitos, superficialmente. E não se percebe o quanto que o “remédio errado” está agravando a situação do “paciente”.

Em 14 anos de vigência da lei dos crimes hediondos a criminalidade só aumentou. Grupos organizados incontáveis (CV, PCC etc.) formaram-se dentro dos presídios. Estamos hoje pagando alto preço por essa política totalmente equivocada.

A criminalidade que mais perturba a convivência social (a violenta e a organizada) conta com raízes muito específicas (desagregação social, impunidade, falta de educação, lazer, emprego etc.). Urge que as medidas sejam adequadas. Reformas sociais são muito mais eficazes que reformas penais (Ferri). Tem total procedência a reivindicação do Ministro da Justiça: temos que rapidamente discutir os efeitos da lei dos crimes hediondos e toda legislação correlata, que foi irresponsavelmente elaborada desde 1990. E antes mesmo que se conclua esse debate, impõe-se que o Poder Judiciário, nos limites da sua competência constitucional, vá adequando a Lei 8.072/90 aos ditames da Constituição Federal (reconhecendo-se, por exemplo, que a proibição da liberdade provisória não é absoluta, que o Presidente da República pode conceder indulto nos crimes só aparentemente hediondos, que cabe penas substitutivas nesses crimes, que a cultura autoritária não faz bem para a nação etc.).

Luiz Flávio Gomes

é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, consultor e parecerista e diretor-presidente da TV Educativa IELF (1.ª TV Jurídica da América Latina com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país –
www.ielf.com.br )

Voltar ao topo