Uma feira importante

Saber quanto as coisas custam e, dentro do custo, quanto exatamente corresponde a impostos, taxas e tributos, deveria ser a preocupação não apenas de empreendedores e negociantes, mas de todos os contribuintes em cívica vigília. Afinal, atrás de um comerciante angustiado pelos múltiplos compromissos pode estar um governo ladrão, preguiçoso ou displicente, e as aparências e discursos nem sempre traduzem essa realidade.

Você, caro leitor, se sabia, não refletiu o bastante para protestar: dentro do custo de uma casa popular existe mais que o lucro necessário ao negócio do fornecedor de areia e do tijolo. Pois é, anote em seu caderno: 49,02%, ou seja, a metade do que lhe pedem pela morada de seus sonhos, é a parte do governo, que ainda lhe cobra o devido imposto sobre todos os outros serviços – de água, luz, telefone e tudo o mais que lhe vendem separado. Em vez de sessenta mil reais, para fugir do aluguel sobre o qual também incidem impostos, você poderia acabar pagando trinta mil. Aí você acreditaria de verdade no discurso velho e surrado segundo o qual o governo federal ou estadual que você elegeu, ou do municipal que acaba de eleger, ajuda a suprir necessidades básicas da cidadania atropelada.

Se cada vez que se comprasse feijão, arroz, macarrão ou qualquer outra coisa fosse questionado o custo dos impostos, assim como é questionado o preço final do produto, a nossa realidade, com certeza, seria outra. Acabaríamos por tomar consciência dos reais motivos pelos quais nos faltam estradas, escolas, saúde e a segurança que nos rouba o gosto de viver. Mas, até aqui, todas as iniciativas tendentes a separar o preço do produto do custo dos impostos bateram no escuro: em águas turvas, todo mundo pesca melhor, pois os peixes ficam atordoados.

Todas essas premissas servem para aplaudir e incentivar a iniciativa do Curso de Economia das Faculdades Integradas Santa Cruz, de Curitiba, motivo de recente reportagem em nossas páginas. O “Feirão de Impostos” – uma exposição que mostra didaticamente o quanto é pago de tributos sobre alguns produtos – é uma ação que não pode ficar restrita às salas de aula de um curso e deveria reimpulsionar os debates sobre a reforma fiscal abandonada pelo governo e pelo Congresso Nacional no meio do caminho. A reforma não saiu, não apenas por desentendimento acerca da partilha nas diversas esferas de governo, mas por falta de pressão dos contribuintes.

Mais que repetir que 83,07% do preço final de uma garrafa de cachaça são constituídos por impostos, ou que 56% do preço de uma lata de cerveja correspondem a tributos, ou que 26,84% do preço do macarrão vão para o governo, a iniciativa lembra, por exemplo, que somos assaltados por pelo menos sessenta diferentes taxas, impostos e contribuições, sejam federais, estaduais ou municipais. Eles se aproximam já dos 40% do PIB – Produto Interno Bruto. Segundo a professora Nícia Pereira de Araújo Rissete, uma das coordenadoras do feirão, isso nos coloca em posição de igualdade com países do primeiro mundo, como a Alemanha. Só que a igualdade termina no tamanho da carga. A diferença está nos serviços que temos de volta. Decididamente, “nós temos uma arrecadação de país desenvolvido, mas o retorno não é igual”.

Não se trata de pregar a revolta popular contra essa permanente derrama. Se o governo é ruim, pior sem ele. Mas é desnecessário dizer que a qualidade do governo que temos depende da vigilância e da exigência da população. Por isso, o “feirão de impostos” da Santa Cruz é uma aula de moral e cívica. As gerações em formação poderão ter maior consciência que essa que atualmente paga a conta. O tamanho do governo, geralmente medido em número de funcionários, prédios ou mesmo do volume de propaganda, deve ser auferido pela qualidade dos serviços que constitucionalmente é obrigado a prestar ao povo. O resto é enganação.

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