Um risco real

Com cada vez maior freqüência e intensidade, o presidente Fernando Henrique Cardoso vem a público para manifestar uma preocupação que já não se pode dizer somente sua: o risco de, em poucos meses, estar de volta – em nossas casas, no trabalho e no lazer, na escola, no mercado e no hospital – a inflação. E com ela, a perda de rumo e o fim da relativa estabilidade que, bem ou mal, fez dos brasileiros um povo menos preocupado com o corre-corre de todos os dias, capaz de sonhar com projetos mais distantes daqueles decorrentes da imediata e mera sobrevivência.

Tal preocupação foi repetida quando a desvalorização do real frente ao dólar havia alcançado então o mais alto índice dos últimos oito anos, superando mesmo a débâcle econômica que se abateu sobre a Argentina. Embora manifestando a esperança de que o Brasil e os brasileiros saberão evitar o pior (“o Brasil terá maturidade para seguir o rumo de um país que sabe o que custa o crescimento, o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população”), FHC, já admitindo que nada pode fazer contra a onda especulativa do momento, advertiu que as eventuais e tênues conquistas são capazes de “esboroar-se em poucos meses”.

A uma semana das eleições, FHC tem naturalmente uma preocupação a mais que os eleitores comuns, dispostos, muitos deles, a usar o voto como protesto. Depois de oito anos no poder, ele pode passar para a história como alguém que não foi capaz de fazer seu sucessor. E isso, admita ele ou não publicamente, será um julgamento negativo de seu governo, durante o qual – não há como negar-se – a par de erros imperdoáveis, existem conquistas de mérito. Uma delas, apenas para lembrar, está exatamente no fato de respirarmos uma democracia mais robusta, capaz de dar suporte à possibilidade de alternância real no poder.

Mas não é menos verdadeira a hipótese lançada no ar pelo próprio presidente, segundo a qual essa possibilidade de alternância real no poder pode nos levar às conseqüências de um risco também real, que já se desenha no horizonte com toda a sua força, ante a simples possibilidade de uma virada. E aí está uma aparente contradição: numa democracia bem estruturada, essa mudança nada ou muito pouco poderia influenciar sobre uma economia de porte continental como a nossa. A Itália, país dezenas de vezes menor que o Brasil, troca de governo a cada ano e continua, entretanto, entre as maiores economias do mundo.

Vai daí que aquilo que o discurso do sociólogo FHC admite com a razão de um estadista, nada poderá vir a ter com a realidade que se estabelecerá após a sua passagem. A menos que seus conselhos sejam seguidos – não aqueles que possam decorrer do entendimento de que ele esteja tentando induzir o eleitor a mudar uma tendência de voto cada vez mais densa em torno do principal candidato das oposições -, poderemos com bastante probabilidade estar entrando numa área de risco real de esboroamento por ele próprio referida. A escolha é dos brasileiros.

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