Um presidente leigo

O desembargador Marcus Faver, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, qualificou o presidente Fernando Henrique Cardoso de leigo em matéria de leis, pelas declarações do chefe da Nação de que esteja havendo conivência de setores do Judiciário com o crime organizado. FHC, após o atentado contra a Prefeitura do Rio de Janeiro, ficou revoltado com a ousadia dos bandidos e, cheio de indignação, considerou que é hora de a sociedade reagir, não admitindo que suas instituições sejam postas em cheque. Instado pelo prefeito César Maia a decretar estado de exceção localizado, de acordo com a Constituição, rejeitou a idéia, mas ofereceu à governadora petista Benedita da Silva um plano em que uma força-tarefa irá combater o crime organizado no Rio, sob o comando de um delegado federal, já designado pelo Ministério da Justiça. O plano se desenvolverá em acordo com o governo carioca e juntará as polícias estadual e federal, contando com a colaboração de diversos órgãos e mesmo das Forças Armadas e da Justiça.

Por ocasião de sua visita ao local do atentado, o presidente FHC lamentou que muitas vezes juízes facilitem a vida dos criminosos, concedendo-lhes liberdade, principalmente via habeas corpus. A reação do presidente do Tribunal de Justiça do Rio, qualificando FHC de leigo, justifica-se pelo fato de que “a única coisa que um juiz não pode fazer é afastar-se do sistema legal, é descumprir a lei, é passar por cima da lei”. O presidente, mesmo considerando-se suas boas intenções, na verdade “pisou na bola”. Ele, parte da opinião pública e freqüentemente pessoas com responsabilidades, como políticos e jornalistas, costumam condenar o fato de, no Brasil, muitas vezes a Justiça facilitar a vida de criminosos, soltando-os seja enquanto indiciados em inquéritos, como quando já processados ou mesmo condenados. É evidente que em certos casos (raros, felizmente), há ação injustificável e até criminosa de um ou outro magistrado conivente com os criminosos. Mas isto é exceção e rara.

O que acontece é que em favor dos criminosos milita a lei. A legislação penal e processual penal é que é frouxa, cheia de brechas e o arcabouço judiciário mal instrumentado por falta de recursos, sejam técnicos ou humanos. O Brasil é um dos países do mundo mais bonzinhos com os bandidos que se conhece. Mas quem faz as leis não é o Executivo nem o Judiciário e, sim, o Poder Legislativo, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Se alguma queixa devesse fazer o presidente da República, que não a dirigisse ao Judiciário, pois este apenas cumpre as leis. Deveria dirigi-las ao Legislativo. Melhor do que isto, deveria enviar ao Legislativo propostas de leis que não permitissem aos bandidos tanta liberdade e os punissem com maior rigor.

Entende-se que a crítica de FHC teve boas intenções, mas, partindo de um presidente, é inadmissível. Inadmissível pelo equivocado. E partindo de quem partiu estimula aqueles que buscam levar ao descrédito o Poder Judiciário, quando este é um dos pilares do sistema democrático e a garantia dos direitos dos cidadãos. Numa democracia, os poderes são independentes e harmônicos entre si. Os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, formam o governo e é bom que se conheçam e cada um saiba os limites de suas atribuições. E respeite as atribuições dos demais, com os quais deve harmonizar-se.

Juntos e com leis adequadas é que combaterão a criminalidade com eficiência e não culpando uns aos outros.

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