Luiz Salvador

Um ideário a ser atingido num novo estágio civilizatório necessário a ser alcançado

No Brasil, temos uma cultura jurídico/social da prevalência do legislado x negociado.

O Governo do Presidente Getúlio Vargas aprovou no Congresso Nacional o instituto laboral, conhecido como CLT, Consolidação das Leis do Trabalho que regula as relações laborais brasileiras, aprovada pelo DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

Os direitos básicos dos trabalhadores estão assegurados pela CLT e pela Constituição Federal, art. 7º, que elenca diversos direitos fundamentais protegidos (incisos I ao XXXIV), não vedando a existência de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social, verdadeira cláusula impeditiva do retrocesso social.

Em razão disso, no Brasil, pela lei, as melhorias são possíveis de serem buscadas pelas diversas formas possíveis, ou pela lei ampliada e ou por negociação coletiva, utilizando-se do instituto da autonomia coletiva negocial, sendo que a Constituição Federal vigente assegura o respeito à autonomia coletiva, dando legalidade ao que for negociado para a melhoria da condição social dos trabalhadores: “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (CF, art.7º, inciso VI).

Todavia, não há no Brasil, algumas garantias fundamentais à negociação coletiva que busquem as melhorias enunciadas na Constituição Federal, porque não temos:

a)- regulamentação para funcionamento das comissões internas dentro das empresas;

b)- não temos a garantia da ultratividade, sendo obrigados os sindicatos a negociar antes do término de cada instrumento normativo, para assegurar a manutenção das respectivas datas-base, no geral em condições menos favoráveis, sendo compelidos a flexibilizar e precarizar direitos;

c)- não temos a garantia da Convenção 158 da OIT, proibição das despedidas imotivadas;

d)- não temos normas legais claras que proíbam as despedidas massivas.

e)- inexiste normativas que obrigue o patronato negociar, caso se recuse e nem há transparência contábil para comprovar impossibilidades de atendimento aos pleitos dos trabalhadores

Durante aproximadamente 20 anos, no Regime Militar, os sindicatos estavam proibidos de negociar aumentos salariais, já que todos os reajustes eram decididos por medidas legais baixadas pelos militares, conhecidos como Decretos-leis que fixavam os reajustes de todos os trabalhadores, por índices oficiais que mascaravam a realidade inflacionária.

Como mero exemplo, citamos o Decreto-lei n.º 15, de 29 de julho de 1966 que estabelecia normas e critérios para uniformização dos reajustes salariais e dava ouras providências.

http://www.dji.com.br/decretos_leis/1966-000015/1966-000015-.htm

Diante desse quadro político-institucional vivenciado no Brasil, o Governo Neoliberal de Fernando Henrique Cardoso tentou implantar no Brasil uma alteração legislativa, alterando a cultura existente da prevalência do legislado, para a prevalência do negociado, através de projeto-Lei encaminhado ao Congresso Nacional, que passou a ser conhecido como o da alteração do art. 618 da CLT, mas que por uma grande mobilização nacional de diversos setores da sociedade, o projeto não conseguiu aprovação, encontrando-se ainda hoje em tramitação no Congresso Nacional.

De quando em quando, as notícias dos jornais retornam ao tema da aprovação do mesmo projeto de Fernando Henrique Cardoso para alteração do art. 618 da CLT, para mudança cultural no Brasil, pela prevalência do negociado, contra o legislado.

Diante desse quadro de uma economia mundialmente globalizada e que forçam as flexibilizações e precarizações, o que temos vivenciado nos instrumentos coletivos negociados, até mesmo de grandes sindicatos, com certo poder de mobilização, são o da perda gradativa de direitos conquistados em anos anteriores.

Temos defendido, como advogado de trabalhadores, apesar das críticas dos neoliberais, a proposta por um governo forte, interventor e regulador das leis de mercados e dos direitos mínimos e fundamentais dos trabalhadores, deixando para a negociação coletiva o PLUS, em atendimento ao direito fundamental assegurado pela CF que já assegura os direitos mínimos fundamentais. Assim, entendemos que são nulas cláusulas que flexibilizem e precarizem os direitos já conquistados em anos anteriores, por infringir a CF e caracterizar verdadeiros retrocessos sociais, não permitidos pela República Democrática Brasileira, com sua Constituição Cidadã, aprovada em 5 de outubro de 1988.

Em nosso entendimento o instituto da autonomia coletiva negocial é um ideário ainda a ser conquistado, até pelos Países, considerados de Primeiro Mundo, especialmente nesse momento de grave crise econômica provocada pelos países ricos, sem participação dos trabalhadores que não se beneficiaram dos lucros e que agora são chamados para pagar os prejuízos.

O sistema econômico vigente, mundialmente globalizado, não tem cumprido com sua responsabilidade social por assegurar a empregabilidade digna e de qualidade em meio ambiente laboral equilibrado, livre de acidentes do trabalho e ou de adoecimentos ocupacionais.

Num primeiro momento, usaram a terceirização, em especial no Japão, para onde migraram trabalhadores do mundo inteiro para trabalhar com menores salários dos que os praticados nos EUA e Europa, mas laborando jornadas dilatadas, muitas vezes sem Repouso, alimentando-se de comidas de baixa qualidade e dormitando em galpões para baixa dos custos, ficando doentes e gastando suas reservas com tratamentos de saúde, de volta a seus países de origem.

Nessa busca desenfreada pela redução dos custos, sem responsabilidade social, os produtos são produzidos na china, índia, Malásia (…), onde exista mão de obra barata, sem sindicatos fortes a reivindicarem melhorias de suas condições sociais de vida e de melhores salários.

Na comunidade européia ganhou força a proposta da “flexsegurança”, mas com o advento da crise econômica já se percebeu inviável a proposta porque os empregadores não assumem as responsabilidades pelo desemprego, jogando todos os ônus nos ombros do Estado, responsável pela recolocação dos trabalhadores, como pelos custos de seus respectivos adoecimentos, físicos e mentais, estando em discussão pelos agentes sociais, entidades sindicais, pensadores, doutrinadores, que buscam uma nova proposta que contemple um sistema de produção que atenda às necessidades das grandes massas, com efetiva distribuição de rendas, até mesmo para sustentar um mercado consumidor poderoso e vigoroso, já que consabido que a crise tem como uma de suas principais causas a falta de consumidores com poder aquisitivo.

A realidade do mundo globalizado está demonstrando necessidade de mudança de rumo, sendo necessária a recuperação de uma visão mais humanista em que o primado seja o homem, como o centro de toda a produção econômica, intelectual, artística, cultural e não o mero interesse especulativo do capital financeiro, como conclui magistralmente Dinaura Godinho Pimentel Gomes:

“É chegada a hora de se dar um basta a esse tipo de sociedade permissiva que sofre de excesso de tolerância em sentido negativo, de tolerância no sentido de deixar as coisas como estão, de não interferir, de não se escandalizar nem se indignar com mais nada. Enfim, espera-se pela concretização da democrática participativa, para se conquistar uma sociedade mais justa e mais solidária, onde se possa realçar cada vez mais a importância do ser humano como valor fonte de todos os valores, titular dos direitos humanos universalmente proclamados e consagrados, no âmbito global e regional, sem se esquecer que as normas de proteção dos direitos humanos, inseridos em tratados ratificados pelo nosso País, adquirem desde logo status constitucional, CF, art. 5.º, § 2.º” (A autora citada é doutora em Direito pela Universidade Degli Studi de Roma, juíza do Trabalho na 9.ª Reg-Pr, in LTR67-06/647/657).

Conclusão

Sabido que o capital transnacional não tem fronteiras e compromisso com a vida, com o homem, com o social, visando apenas à redução de seus custos operacionais e maior produtividade com menos pessoal, favorecendo a política de concentração de renda em favor de uns poucos privilegiados no mundo em detrimento de milhões de desempregados, desiludidos, desesperançados, excluídos, contrariando ideário civilizatório humanizado pela manutenção do Estado do Bem Estar Social, buscando-se as melhorias e contra o retrocesso social em favor do homem, para que consiga viver com dignidade com sua família.

Por esta razão, estamos empenhados em ampliar o debate a nível de todos os povos, num mundo civilizatório de inclusão, onde não só a mercadoria tenha livre circulação, num mundo sem fronteiras, mas também os serviços, os trabalhadores tenham o mesmo direito a livre circulação, garantidos por uma legislação supranacional, regulando direitos simetricamente possíveis e de reciprocidade a todos os trabalhadores em que país esteja entregando sua força de trabalho em prol do crescimento econômico de roupagem da prevalência do social.

Neste sentido, temos escrito alguns artigos, dentre os quais os abaixo citados.

AUTONOMIA COLETIVA

A prevalência é a do homem

http://jusvi.com/artigos/673

CLT: colisão de interesses

A essência do desenvolvimento econômico é o social

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3321

Luiz Salvador é Presidente da Abrat (www.abrat.adv.br), vice-presidente da Alal (www.alal.la), Representante Brasileiro no Depto. de Saúde do Trabalhador da Jutra (www.jutra.org), assessor jurídico da Aepetro e da Ativa, membro integrante do corpo técnico do Diap e Secretário Geral da CNDS do Conselho Federal da OAB, e-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br

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