Um ex com a memória curta

Por incrível que pareça, é uma novidade na nossa democracia. Por mais presentes que estejam Itamar Franco e José Sarney, somente com Fernando Henrique Cardoso conseguimos criar a “profissão” de ex-presidente. Fruto da continuidade das nossas eleições, isso será cada vez mais normal, com tudo que traz de positivo e negativo. Durante a ditadura (e nos primeiros anos da abertura) havia ex-presidentes com cara e jeito de tais. Emílio Médici e Ernesto Geisel (mais este último) ainda eram nomes do Exército e, vez em quando, davam seus pitacos na política. Geisel, por exemplo, foi um dos avalistas de Tancredo Neves no Exército. Como fonte, o ótimo livro do ex-ministro Ronaldo Costa Couto, História Indiscreta da Ditadura e da Abertura (ed. Record).

Depois, vieram José Sarney e Itamar Franco, e ambos não souberam se portar como ex-presidentes (é melhor nem citar Collor…). Desde que saíram do cargo tentam atrair as atenções do público e do meio político com atitudes histriônicas. Itamar, então, nem se fala, já que Sarney parece ter se acalmado na presidência do Senado.

Mas Fernando Henrique Cardoso tem jeito de estadista, é conhecido e respeitado lá fora, foi o único presidente eleito para dois mandatos seguidos, é o segundo brasileiro que mais governou o país na era republicana (só perde para Getúlio Vargas). Reconheçamos, partidários ou não, que ele tem tarimba e jeito para ser o nosso primeiro “ex” de respeito. E para que FHC usa todo esse know-how? Para descer a lenha no presidente Lula. Pior: para criticar o que está sendo feito na economia, que pouco é diferente do que era nos últimos oito anos. As atitudes do Banco Central e do Ministério da Fazenda são tão draconianas quanto às de Gustavo Franco, Pedro Malan e seus assessores.

O ex-presidente não pode também falar de recessão, já que o movimento da nossa economia não começou ontem. Os problemas vêm desde as crises da Rússia e da Argentina, se agravou após os ataques de 11 de setembro de 2001 e se consolidou com a tragédia do câmbio antes da eleição. E FHC tem culpa nessa tragédia, já que permitiu que se criasse (e não moveu uma palha para que cessasse) o pânico do “efeito Lula” no mercado.

Até mesmo a tão criticada reforma da Previdência tem seus primeiros passos no governo anterior. Aqui não cabe comentário ou opinião sobre ela, mas sim fatos: Fernando Henrique também queria taxar os inativos, e tentou emplacar sua reforma desde os primeiros meses de seu mandato. Detonar a iniciativa de Lula é, no mínimo, falta de memória. FHC bem que poderia falar sobre outros assuntos, criticar outras atitudes, e (porque não?) buscar soluções através da ONG que deve fundar nos próximos meses. Até porque, como estadista que foi, ele poderia dar o grande exemplo que nossa democracia precisa receber.

Cristian Toledo (esportes@parana-online.com.br) é repórter de Esportes em O Estado.

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