Turbinas ligadas

O céu não é de brigadeiro para as bandas do governo federal, segundo é possível constatar a olho nu, dispensando o auxílio da sofisticada aparelhagem que garante a segurança necessária à navegação aérea. Aliás, não é a primeira vez que o governo se vê acossado por inusitado mau tempo na rota previamente traçada. Ainda está aceso na memória da sociedade, mesmo porque o fenômeno não está inteiramente fora de cogitações e se repete volta e meia em algum aeroporto importante do País, o longo período de frustração e desespero suportado por usuários de companhias de aviação civil, à vista dos inexplicáveis atrasos ou cancelamentos de viagens.

A crise da aviação civil determinou a queda do então ministro da Defesa, Waldir Pires, substituído pelo atual, Nelson Jobim, cujo debut na condição de salvador da pátria ocorreu, empinando um capacete de bombeiro militar, exatamente sob o dramático impacto da queda do avião da TAM no aeroporto de Congonhas, com a morte de todos os tripulantes e passageiros embarcados em Porto Alegre com destino a São Paulo. Na seqüência, a problemática desabou sobre a diretoria da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), com maior grau de cobrança de atitudes responsáveis presumidamente negligenciadas pelo presidente Milton Zuanazzi e a diretora Denise Abreu, que não resistiram ao fogo cerrado e entregaram os cargos.

Tem-se a impressão que um estopim ligado ao barril de pólvora não foi inteiramente apagado, ou pior, acabou sendo desconsiderado pela brigada responsável pelo controle do incêndio, mas agora voltou a se incandescer bastante próximo da carga explosiva. Uma entrevista da ex-diretora Denise Abreu ao jornal O Estado de S. Paulo foi o bastante para alvoroçar o chamado núcleo duro do governo, no qual pontifica a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff. Segundo Denise, a referida ministra teria pressionado a Anac a liberalizar as exigências em relação à composição acionária da VarigLog, com a finalidade de permitir o fechamento da operação de compra da Varig, naquele momento ameaçada do lacramento dos hangares.

Na entrevista, Denise deixou claro que os sócios brasileiros da VarigLog teriam atuado como laranjas do fundo de investimentos norte-americano Matlin Patterson, que entrou com o dinheiro para a aquisição da tradicional companhia aérea. Como não poderia ser diferente, o caldeirão entrou em fervura, levando o Ministério Público Federal (MPF) a admitir a extrema necessidade de investigar as denúncias da ex-diretora da Anac.

O ponto mais polêmico da questão está no fato de que o Código Brasileiro de Aeronáutica, cujo cumprimento foi cobrado de modo inflexível pelos diretores da Agência Nacional de Aviação Civil, limita a 20% a participação de estrangeiros em empresas aéreas brasileiras, dispositivo burlado pela figuração de laranjas na composição societária da VarigLog. Na verdade, anomalia também detectada à época pelo Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea), que igualmente a denunciou.

A partir de agora, o MPF passará a trabalhar com o objetivo precípuo de elucidar uma série de dúvidas não esclarecidas pela própria Anac, quanto à capacidade financeira e condição fiscal dos sócios brasileiros do projeto de compra da Varig. A agência sempre respondeu não estar em condições de atender aos pedidos, tendo em vista a legislação que ampara o sigilo fiscal.

Por esse motivo, o governo está preparando um calhamaço de documentos para despejar sobre Denise Abreu, que deverá ser convidada a participar de audiência pública na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Os líderes do governo pretendem contrapor com uma questão fundamental: a venda da Varig somente foi possível mediante a modificação da Lei de Falências sugerida pela oposição em benefício das companhias aéreas. As turbinas estão ligadas.

Voltar ao topo