Três anos de atividade judiciária

A nova redação dada ao artigo 93, inciso I, da Constituição Federal, tem sido objeto de vasta discussão entre os candidatos que pretendem ingressar na carreira da Magistratura e, por extensão, do Ministério Público. O dispositivo, cuja alteração foi determinada pela Emenda Constitucional n.º 45, publicada em 30 de dezembro de 2004, propicia todo o tipo de interpretação quanto às exigências incluídas, consoante é possível observar no texto do comando normativo:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação. (I)

Tarefa nada fácil colher a real vontade do legislador e, portanto, fazer a exata exegese do texto no tocante à inclusão do tempo mínimo de três anos. O primeiro questionamento que surge é: o que se deve entender por atividade jurídica? Além da exercida por advogados, seria aquela desempenhada exclusivamente por bacharéis em Direito, ocupantes de cargos privativos, tais como Assessores Jurídicos? Ou poderia ser considerado também o trabalho desenvolvido, em cargos não privativos de bacharéis, ainda que seus ocupantes o sejam?

Da hermenêutica que se faça com relação à expressão "atividade jurídica" dependerá um segundo ponto: quanto ao tempo em que deverá se fazer tal exigência. Ou seja, deve-se exigir que os três anos de experiência jurídica sejam contados após a obtenção do diploma ou, do contrário, se, ao colar grau, o candidato que já possuir os três anos estará automaticamente habilitado a prestar concurso? Veja-se que, da forma como foi escrito o inciso, tanto um quanto outro entendimento é possível ser visualizado.

Embora não cause incerteza, um terceiro aspecto merece ser analisado no teor do artigo sob comento, qual seja, o ingresso na carreira. Pois bem, o ingresso na carreira da Magistratura, no cargo de Juiz substituto (no Ministério Público, promotor substituto), ocorre quando o candidato toma posse e pressupõe, evidentemente, prévia aprovação em todas as quatro fases do concurso: prova preliminar, escrita, sentença e oral. Pode-se presumir, então, que o requisito dos três anos deva ser preenchido apenas e tão-somente na data da posse, não da inscrição. Sobre tal ponto, se ainda pendia qualquer suspeita, essa foi totalmente resolvida pela edição da Súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça, em maio de 2002, cuja previsão é a de que "O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público" (II).

Todavia, decisão colidente com o enunciado acima foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no último dia 23 de agosto, quando o Ministro Carlos Velloso indeferiu a liminar pleiteada no Mandado de Segurança de n.º 25.489(III). A determinação contrariou, ainda, o próprio artigo 93, inciso I, já esmiuçado. A ação constitucional foi impetrada por um jovem advogado com o intuito de afastar a exigência de comprovação dos três anos de experiência jurídica no ato da inscrição, caso em que, deferida a medida, poderia prosseguir no 22.º concurso para a carreira de Procurador da República (IV).

O Ministro utilizou como principal fundamento a disposição contida no artigo 187 da Lei Complementar n.º 75/93, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. "O requisito, não custa repetir, é para a inscrição", afirmou o relator. Causa certa estranheza tal afirmação em virtude de que a Súmula foi editada mais recentemente, há cerca de três anos apenas, e possibilitou uma interpretação mais abrangente, mais ampla de previsões como essa. Então, ou o Ministro se enganou quanto aos argumentos utilizados no mandado impetrado ou, com base na afirmação exarada na decisão, pode-se esperar uma mudança de paradigma no entendimento da Suprema Corte de Justiça quanto à questão, com a conseqüente invalidação da Súmula n.º 266 do Superior Tribunal de Justiça.

Em referência à interpretação do artigo 93, inciso I, da Constituição Federal, essa é uma necessidade premente tendo em vista que cada concurso estabelece regras diferenciadas para o ingresso nas carreiras jurídicas da Magistratura e do Ministério Público. Seria bastante interessante que os Tribunais superiores buscassem, o mais rapidamente possível, fazer a sua exegese e, com isso, acabar com a insegurança jurídica daí advinda. A comunidade de concursandos da área jurídica agradece!

Notas

(I) Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 76.

(II) Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em http://www.stj.gov.br/SCON/sumulas/doc.jsp?
livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=20&i=48. Acesso em 28.08.2005.

(III) Declaração de três anos de atividade jurídica é requisito para inscrição em concurso público. Publicada no informativo Newsletter Síntese n.º 1261, em 25 de agosto de 2005. Disponível em <http://www.sintese.com.noticia-integra.asp?id=10228>. Acesso em 25.08.2005.

(IV) Exigência de três anos de experiência para ingresso no Ministério Público é questionada no Supremo. Publicada no informativo Newsletter Síntese nº 1257, em 19 de agosto de 2005. Disponível em

Acesso em 19.08.2005 <http://www.sintese.com/noticia-integra.asp?id=10138>. Acesso em 19.08.2005.

Mônica Ferreira Corrêa da Silva é assessora Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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