Tráfico de entorpecentes e penas alternativas

Com a edição da Lei 9.714/98, foram modificados alguns dispositivos do Código Penal, dentre os quais os relativos às penas restritivas de direitos, substitutivas da pena privativa de liberdade. De acordo com a redação dada pela nova lei ao inc. I, art. 44, do CP, “as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo”.

Apesar de não pertencer ao rol dos crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes é tido pela Lei 8.072/90 como figura a eles assemelhada, recebendo o mesmo tratamento jurídico. A própria Constituição Federal determina em seu art. 5.o, XLIII que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”

Ao dispor a Lei de Penas Alternativas que os crimes aos quais forem aplicadas penas privativas de liberdade não superior a 4 anos e não tenham sido praticados com violência ou grave ameaça à pessoa devem ser substituídos por penas restritivas de direito, se está adotando tratamento mais severo aos crimes praticados com grave ameaça. Logo, por um raciocínio lógico, entende-se não ser possível a aplicação de pena alternativa a um crime hediondo ou assemelhado.

As penas alternativas constituem resposta penal unicamente para os crimes de potencialidade lesiva pouco significante. Jamais, porém, podem ser aplicadas aos crimes que, por sua natureza, sejam dotados de alta nocividade social, característica esta marcante da narcotraficância que, aliás, importou na formulação da cláusula constitucional de inafiançabilidade (art. 5.º, inc. XLIII).

Sob este mesmo ângulo, é da essência do sistema punitivo o tratamento diferenciado para infrações de desigual gravidade. Infrações penais de maior potencial ofensivo reclamam resposta estatal diversa daquela a ser destinada aos que, em menor grau, ofendem o bem jurídico protegido. O princípio da proporcionalidade, variante da legalidade, impede que se confira como contraprestação por ofensa a um bem jurídico de pouca relevância uma cominação idêntica àquele de gravidade extrema.

Incabível falar-se, corroborando o entendimento aqui desposado, em revogação do dispositivo da Lei n.º 8.072/90, que obrigava o cumprimento da pena pela prática dos crimes nela regulados em regime fechado, em função da superveniência da Lei n.º 9.714/98, que possibilitou a substituição por pena restritiva de direitos as condenações a privativa de liberdade até 4 anos inclusive.

É inconcebível que, diante do atual quadro político-social do país, com o assustador e desenfreado crescimento da criminalidade, tenha o legislador o intuito de criar novo dispositivo legal capaz de conceder ao condenado por crime hediondo (ou a ele assemelhado), o cumprimento de uma pena alternativa a ele imposta. Tal entendimento levaria a nos depararmos com situações também “hediondas”, como, v.g., admitir-se que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, traficantes, torturadores, autores de crimes sexuais, cumpram sua pena alternativa prestando serviços à comunidade, em hospitais, escolas, instituições de caridade…

Gisele Mara Durigan

é analista judiciário – Justiça Federal do Paraná, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal no Centro Universitário Positivo – Unicemp.

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