Tortura ainda persiste no Brasil

O Brasil celebra hoje o Dia Mundial de Combate à Tortura – mas há pouco o que comemorar. A prática, classificada como crime hediondo, ainda é rotina nas delegacias e presídios brasileiros. Além disso, a aceitação da tortura passa pelo preconceito de que todo pobre é suspeito – e que, bandido bom, é bandido morto. A avaliação é do coordenador do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), Romeu Olmar Klich. Dados da organização não-governamental revelam que as maiores vítimas são homens negros de baixa renda. Em 77% dos casos, a tortura é praticada por policiais e agentes penitenciários. O movimento identificou que 70% dos casos ocorrem em cidades pequenas. ?O número mostra que nessas cidades o Estado está ausente. A polícia militar se institui como um Estado paralelo?, disse Klich.

O MNDH reúne 356 organismos de defesa dos direitos humanos e obtém as denúncias por telefone. São 20 centrais telefônicas espalhadas por todo o país. A chamada é gratuita e a identidade do denunciante é mantida em sigilo. Desde 2001, quando o SOS Tortura (0800 ? 7075551) foi implantado, foram recebidas 25.605 ligações telefônicas. Segundo Klich, o medo faz com que, em mais da metade das chamadas, as pessoas se calem ou desliguem antes de fazer a denúncia. Deste total, duas mil são formalizadas.

São Paulo é o estado que mais denuncia o crime, com 15% das informações passadas para as autoridades. É seguido por Minas Gerais, Pará e Bahia. De acordo com o coordenador, a discrepância entre os números é resultado da disposição dos cidadãos em denunciar. ?O fato de recebermos mais denúncias desses locais mostra que as pessoas têm mais coragem de denunciar?, declara. O MNDH registra, a cada dia, de cinco a dez novos casos.

Os dados, apesar de alarmantes, não causam surpresa às organizações não-governamentais que lutam contra a tortura no Brasil. A Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura (ACAT) é uma das organizações que integram esse time. Oferece atendimento psicológico e jurídico às vítimas. A organização recebe as denúncias por meio de familiares dos torturados ou pela Pastoral Carcerária, ligada a Igreja Católica. A partir daí, uma equipe formada por médicos, advogados, assistentes sociais e também de apoio espiritual vai ao encontro das vítimas, em geral, nos presídios. A tarefa não é fácil. Segundo a coordenadora da ACAT, Isabel Peres, é comum os agentes penitenciários e os policiais militares e civis tentarem impedir a entrada dos profissionais. ?Muitas vezes, eles não nos deixam realizar o atendimento?.

Além do atendimento, a associação encaminha as denúncias para o Ministério Público, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Anistia Internacional. De 2001 a 2002, a ACAT registrou, oficialmente, 1.651 casos de tortura apenas no Estado de São Paulo. Ninguém foi punido até o momento. ?A total impunidade facilita a tortura. A denúncia cai no vazio?, enfatiza Isabel Peres. Segundo ela, no cenário mundial, o Brasil é, no entanto, um dos países que mais denunciam o crime.

Os métodos de tortura utilizados hoje repetem os requintes de crueldade dos usados na ditadura militar (1964-85), segundo Sandra Carvalho, diretora de comunicação e pesquisa da organização Justiça Global. A ONG trabalha na documentação e envio de denúncias às Nações Unidas. Ela explica que as vítimas são, geralmente, afogadas, espancadas com barras de ferro e, ao chegarem às delegacias de polícia ou presídios são recebidas com o tradicional ?corredor polonês?. Trata-se de uma fila dupla onde os presos são recepcionados a chutes, socos e tapas. As principais vítimas são homens entre 18 e 30 anos.

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