Terceiro setor e as parcerias com a Administração Pública

O jovem professor e advogado Tarso Cabral Violin ajusta sua arma e mira o alvo: ?No presente estudo, nos propusemos a criticar o discurso neoliberal-gerencial hegemônico na atualidade, fortalecido no final do século XX, que vem dominando o cenário nacional e internacional, tanto nos países centrais quanto nos periféricos e semiperiféricos?. Esta crítica está registrada em sua recente obra ?Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública – Uma Análise Crítica? (Editora Fórum, Belo Horizonte, 306 págs.,2006), na qual desenvolve extensa e profunda análise sobre três pontos (1) O Estado e a Administração Pública (2) O ?Terceiro Setor? e a Sociedade Civil (3) As Parcerias do ?Terceiro Setor? com a Administração Pública. A obra é derivada de sua tese de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, aprovada com nota máxima pela banca integrada pelos doutores Romeu Felipe Bacellar Filho (orientador), Paulo Ferreira Motta e Luiz Alberto Blanchet. O autor é professor de Direito Administrativo do Centro Universitário Positivo-UnicenP e assessor jurídico da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná.

O Estado e a Administração Pública

Ao abrir seu estudo sobre o Estado e a Administração Pública, o autor remete ao que escreveu outro jurista e político paranaense Carlos Frederico Marés de Souza Filho: ?É curioso imaginar que mais de duzentos anos depois do nascimento do Estado moderno sob o signo da liberdade e da dignidade humana ainda haja espaço para discutir, pensar, denunciar ou mesmo constatar a existência de franjas da sociedade que não só não estão cobertas pelo manto protetor do Estado, como sofrem opressão exatamente por isso?. E nessa linha de pensamento, o autor interliga conceitos (a) neoliberalismo ?que é a inspiração para o ideário do ?terceiro setor? (b) burocracia ?cuja ?ineficiência? é a justificativa para a privatização? (c) os serviços sociais ?objeto de delegação para as entidades privadas sem fins lucrativos? (d) e o princípio da subsidiariedade ?um dos fundamentos para o repasse, como regra, dos serviços sociais às organizações da sociedade civil?. Desses pontos projeta sua análise para adentrar o tema do ?terceiro setor? e suas parcerias.

O ?Terceiro Setor? e a Sociedade Civil

É certeira sua flecha analítica ao captar em Antonio Gramsci a intersecção dos movimentos da sociedade civil, de seus intelectuais orgânicos, com a formação e desenvolvimento do aparelho estatal dentro de características opressivas no plano político, as estruturas econômicas demarcando a rigidez de classes na sociedade e, nesta, a possibilidade de sua vida autônoma, mas limitada. Para situar o tema-sede do ?terceiro setor?, busca em Carlos Nelson Coutinho a sustentação teórica e avança até Carlos Montaño em sua obra ?Terceiro setor e questão social? a abrangência atual da ?ampliação do terceiro setor?… revela a clara funcionalidade desta proposta com o projeto neoliberal, consolida-se na despolitização operada neste setor, na retirada das contradições de classe, na sua desarticulação com as esferas estatal e infra-estrutural, com uma lógica ?liberal-corporativa? e supostamente ?democratizadora? E prossegue o autor, com Montaño: ?Essa ampliação dá como fato a retirada do Estado das respostas à questão social e à flexibilização ou esvaziamento dos direitos sociais, econômicos e políticos, historicamente conquistados e garantidos pelo Estado democrático de direito nos países centrais, e na maior precarização, descentralização e focalização da já reduzida intervenção social do Estado nos países periféricos?.

O ?terceiro setor? e a obra de Boaventura de Souza Santos

Ao adentrar o campo específico do ?terceiro setor?, o autor examina pontos relacionados com a definição do tema, as organizações não-governamentais-ONGs, aspectos históricos, considerações gerais, a inadequação da expressão e sobre os atores componentes do ?terceiro setor?. Também procura responder à questão se os movimentos sociais fazem parte do ?terceiro setor?, as entidades de benefício mútuo e de benefício público, as cooperativas. Mas vai além ao examinar a ?responsabilidade social? do mercado e as ações filantrópicas das empresas, atingindo as críticas negativas ao ideário neoliberal do ?terceiro setor?. Nessa incursão teórica refaz o caminho percorrido por Boaventura de Souza Santos (?A reinvenção solidária e participação do Estado?) ao assinalar: ?Qualquer que seja a ambigüidade conceitual do terceiro sector, a verdade é que nos países centrais o ressurgimento do terceiro setor está ligado à crise do Estado-Providência. Isto significa que o terceiro sector não ressurja num contexto de lutas sociais e políticas avançadas que procuram substituir o Estado-Providência por formas de cooperação, solidariedade e participação mais desenvolvidas. Pelo contrário, ressurge no início de uma fase de retracção de políticas progressistas em que os direitos humanos da terceira geração, os direitos econômicos e sociais, conquistados pelas classes trabalhadoras depois de 1945, começam a ser postos em causa, a sua sustentabilidade questionada e a sua restrição considerada inevitável?. E ainda: ?A localização estrutural do terceiro sector torna-se ainda mais complexa no caso de organizações que, embora cumpram o formato legal do terceiro sector, nada têm a ver com a filosofia que lhe serve de base, quer porque se trata de organizações de fachada, cuja lógica é basicamente o lucro, mas que se organizam sob a forma de terceiro sector para facilitar aprovação, obter subsídios, ter acesso a crédito ou a benefícios fiscais?(da obra citada).

Análise crítica por Carlos Montaño

Mas é garimpando a obra de Montaño (?Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social?) que o autor tem o indicativo seguro de que ?o ideário do ?terceiro setor? é ?mais um passo no histórico processo ideológico de despolitização das organizações e atividades populares?, onde ?perdeu-se a autonomia do movimento pela dependência das ONGs no financiamento estatal, empresarial ou das fundações internacionais?. E esclarece Montaño: ?Enfrentar criticamente o debate dominante sobre o conceito ?terceiro setor? e os seus desdobramentos ideológicos, defender a manutenção e ampliação da atividade estatal nas respostas às seqüelas da ?questão social?, constitutivas de direitos universais, nada disto tem como pressuposto a mínima perspectiva de uma sociedade que despreze as lutas da sociedade civil, dirigindo-as apenas para a esfera do Estado. Longe disso. É tão equivocado considerar apenas o Estado como arena possível de lutas sociais, como considerar a sociedade civil como seu espaço único e exclusivo?. Essa visão crítica se completa com a abordagem relativa à obra de Hannah Arendt quanto a dicotomia entre o público e o privado.

Especificações das entidades

A seguir, o autor repassa conceitos e aclaramentos sobre entidades relacionadas com as pessoas jurídicas sem fins lucrativos (institutos, associações, fundações privadas), as paraestatais e os serviços sociais autônomos, as entidades conformadas com o título de utilidade pública, as beneficentes de assistência social, as OS-organizações sociais e detalhadas explicações sobre o nascimento das OSCIP-organizações da sociedade civil de interesse público, calcadas na recente Lei n.º 9790/99. Conclui a segunda parte de seu estudo, destacando: ?Após criticarmos o ideário do ?terceiro setor?, no atual contexto neoliberal, verificamos que cada vez mais o Estado repassa recursos públicos às entidades privadas sem fins lucrativos, seja realizando suas atividades de fomento ou delegação de serviços sociais. Assim, é de suma importância tratarmos juridicamente das parcerias entre as organizações do ?terceiro setor? e a Administração Pública?.

Parcerias: ?terceiro setor? e administração pública. Conclusões.

Na parte final de sua obra, sobre as parcerias do ?terceiro setor? com a administração pública, Tarso Cabral Violin trata de aspectos relacionados com os contratos administrativos, os processos licitatórios, as recentes parcerias público-privadas-PPPs-, os convênios administrativos, os contratos de gestão, os instrumentos de cooperação entre a administração pública e as OSCIPs. E, finalmente, apresenta suas conclusões, esclarecendo: ?Preliminarmente, é importante ressaltar que temos vários questionamentos quanto ao Estado como o encontramos, com suas deficiências, distorções, opressões, volúpia na cobrança de impostos sem o devido gasto social, sua utilização como instrumento de manutenção do grande capital, etc. Por isso, defendemos um outro Estado, com a correção de suas falhas (como, por exemplo, com o aperfeiçoamento da burocracia, o sistema eleitoral, os institutos de participação social), no sentido desta sociedade política se transformar num instrumento real de justiça social, atuando positivamente, assegurando os direitos fundamentais sociais (e não apenas os direitos individuais), a dignidade da pessoa humana, a isonomia, a liberdade substancial para todos (e não apenas para os detentores do capital). Enfim, um Estado radicalmente democrático e participativo, com um controle social efetivo, sem individualismos, vigoroso e vinculado aos problemas sociais, não apenas árbitro dos conflitos existentes, sem sua redução, mas dando-lhe uma outra qualidade?. E sublinha sua crítica: ?O neoliberalismo-gerencial vem sendo responsável pela expansão do não-Estado, do Estado comprimido, com a desconstrução do Estado ampliado, democrático, social, e do seu aparelho, a Administração Pública. Torna o Estado um inimigo a ser combatido, numa sociedade em que apenas os melhores podem progredir, na qual a desigualdade é um valor positivo, não redundando em melhor distribuição de renda, maior integração social, mas apenas mais mercado, num projeto regressivo. Assim, em vez de melhorar o Estado e a Administração Pública, pretende substituí-los pelo privatismo?.

Análises e subsídios valiosos

Neste diapasão, a contribuição teórico-prática da obra de Tarso Cabral Violin não somente é base para o avanço da análise crítica de tema pouco enfrentando a terceirização na administração pública -, embora se trate de um amplo universo em quase todos os setores.

Como também o estudo é um subsídio valoroso para o aperfeiçoamento da administração pública, em especial neste momento de reafirmação popular pelas urnas dos governos central e local estão credenciados pelo povo como indutores necessários às transformações políticas, econômicas, sociais e culturais fundamentais na construção de uma sociedade justa e solidária.

Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal (PT/PR) e diretor administrativo da Itaipu Binacional. E.mail: edesiopassos@terra.gov.br

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