Tarso Genro no labirinto do direito, da justiça e da política

Em 1978, estávamos em plena luta pela redemocratização e às vésperas do povo conquistar o direito à anistia, finalmente consagrado em 1979. Também avançava a idéia da plena liberdade e autonomia sindical e da reorganização dos partidos políticos. E como um dos pontos centrais, a fundação de um partido dos trabalhadores, idéia recém lançada pelo líder metalúrgico Lula. Neste cenário que se realizou o I Encontro Nacional e IV Encontro Estadual dos Advogados Trabalhistas, em Porto Alegre, reunindo pela primeira vez, no período da ditadura militar, em um plenário aberto, os advogados trabalhistas de todas as partes do país. Dentre as proposições aprovadas, uma delas foi essencial para a seqüência da luta: a fundação da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, a ABRAT, hoje presidida pelo advogado Luiz Salvador, presente naqueles conclaves como membro da representação paranaense. Foi naquele momento de integração que conheci Tarso Genro, advogado de trabalhadores e de suas entidades sindicais, teórico do Direito do Trabalho e político inserido na resistência democrática de então. Na publicação dos textos em debate, apresentei considerações sobre a reforma da CLT e Tarso Genro sobre a desde então controvertida questão da unidade e pluralidade sindical.

Trajetória jurídica e política: Hoje, a trajetória de Tarso Genro é amplamente conhecida em todo o Brasil, desde sua inestimável contribuição ao avanço do Direito do Trabalho em especial consubstanciada nos textos ?Crise terminal do velho Direito do Trabalho? e ?Um Futuro por Armar? até as análises das contradições políticas em nosso país e na América Latina, resumida em dois ensaios essenciais: ?Crise da Democracia Direito, Democracia direta e Neoliberalismo na ordem global? e ?Esquerda em Processo?. Como também pela sua jornada política e administrativa, como deputado federal, vice-prefeito e prefeito de Porto Alegre e, agora, no governo federal, como Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Ministro da Educação, Ministro da Secretaria de Relações Internacionais da Presidência da República e Ministro da Justiça. Destaque-se sua intensa participação na fundação, organização e desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores, onde, unindo prática e teoria, se distingue como um dos pólos fundamentais dessa estrutura partidária.

Um Futuro por Armar: Já assinalamos em texto anterior ao analisarmos a sua contribuição na análise contida em ?Um Futuro por Armar? que ?o advogado Tarso Genro, durante recente palestra em Curitiba, divulgou a excelente revista ?Democracia & Mundo do Trabalho?, já em seu segundo número. Publica texto de sua autoria intitulado ?Um futuro por armar?, complementação a seu anterior texto ?Crise terminal do velho Direito do Trabalho?, publicado na Revista do TRT, 9.ª Região(1996). Apresenta o jurista uma pauta jurídica-conceitual para um novo Direito do Trabalho, com novas tutelas que devem conviver por um certo tempo com as tutelas tradicionais. A análise também será publicada como prefácio da obra de Antonio Baylos ?Derecho del Trabajo: Modelos para Armar?, a ser publicada em breve. Genro conclui suas observações assinalando: ?Abordar essa pauta ou outra análoga, a partir de uma ótica humanista e insurgente, é uma nova tarefa. Um projeto que recupere a capacidade constituinte do Direito do Trabalho, como Direito Tutelar de Caráter Público, é uma parte importante da complexa disputa que deve ser travada contra o capitalismo neoliberal. Trata-se de lutar para que a norma jurídica não seja uma serva do movimento econômico, indutora da barbárie pós-moderna, mas um instrumento de humanização do mundo? (in ?Relações de Trabalho&Transformação Social?, Edit. Decisório Trabalhista, 1999, págs. 20/1).

A dispersão das ideologias: Agora, em recente análise política sobre ?a dispersão das ideologias? (Folha de S. Paulo, 14.01.2007) assinala, com propriedade e endereço certo: ?Uma conseqüência pouco discutida da crise do ?Estado de bem-estar?, da superação em curso do modelo produtivo taylorista-fordista e das experiências socialistas do Leste Europeu é o fenômeno da dispersão ideológica. Dispersão e confusão que ocorrem tanto na esquerda como na direita. Dispersão que chegou a dar sustento à tese de que ambas as posições tinham desaparecido, supostamente comprovando a assertiva do fim das ideologias, mitificação liquidada por Norberto Bobbio no seu pequeno e já clássico volume ?Direita e Esquerda?. Na verdade, essa dispersão é fruto de um vazio de respostas. É reflexo da mudança na estrutura de classes do capitalismo global, da emergência do conhecimento e da ?financeirização? do capital como fundamentos de um novo processo de acumulação. É fruto da fragmentação da classe operária industrial e da ampliação da ?exclusão social?. É resultado, também, em termos globais, do envelhecimento da resistência às ?reformas? regressivas, em termos de conquistas sociais. Essa resistência não veio acompanhada de respostas ideológicas e programáticas, à esquerda ou à direita, capazes de conquistar maiorias estáveis?.

A necessária concertação social: Embora Tarso Genro tenha se destacado no breve período em que esteve à frente do Ministério da Educação, repautando as prioridades e definindo as metas a serem atingidas, agora em concretização, sua contribuição no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi fundamental para introduzir e praticar institucionalmente no país o conceito de concertação social, a saber: ?A criação do CDES alargou de forma inédita os espaços de interlocução do Governo com a sociedade. A perspectiva e a capacidade de colaborar na definição dos grandes rumos do País de forma compartilhada estão em franca evolução. O diálogo social qualifica e viabiliza um projeto de desenvolvimento de longo prazo, como expressão da síntese possível dos valores e interesses predominantes, orientadores das ações de Governo e assumidos pela sociedade. No CDES, trabalhadores, empresários, movimentos sociais e personalidades de reconhecida competência e liderança nas suas áreas de atuação discutem em posição de igualdade questões fundamentais para o desenvolvimento brasileiro? (in texto de apresentação do CDES, Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República).

Segurança pública: Na entrevista concedida quando da posse no Ministério da Justiça, Tarso Genro sinalizou pontos essenciais de ação naquela Pasta, em especial quanto a segurança pública: ?Vou dar continuidade, aperfeiçoamento, aprofundamento do trabalho que o Márcio vem fazendo no que se refere à questão da segurança pública, nos estados, qualificação científica, técnica da polícia, ampliação à medida do possível dos quadros da PF. Segunda questão, o trabalho de articular de médio e longo curso que é a integração das políticas de segurança pública com as políticas sociais do governo. Temos foco muito preciso no adolescente e jovens em situação de risco. E o terceiro ponto é a questão da reforma política que nós vamos continuar coordenando a discussão no governo, juntamente com o Ministério de Relações Institucionais e buscando criar condições para que nós tenhamos, se possível, pelo menos o início de uma reforma política importante no país. De maneira genérica estes são os três grandes eixos? (vide entrevista na íntegra no site do Ministério da Justiça).

Segurança, políticas sociais e reforma política: Respondendo à questão sobre a integração das políticas de segurança pública com as sociais, voltadas para a juventude, e a relação do ministério com a reforma política, Tarso Genro assinalou: ?Posso dar como exemplo o trabalho educacional dentro dos presídios, cuja finalidade não é só punir mas também recuperar.Outro exemplo é a estruturação de relações conveniadas em que o estado e o município para a qualificação através do trabalho das medidas sócio-educativas para os menores que sofreram medidas correcionais. Em relação à reforma política, existe um trabalho que foi feito pelo Ministério da Justiça que faz uma análise dela, está em andamento no Congresso. Existe os anunciais do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. E existe a propostas da OAB. O que o MJ vai fazer é ajudar a impulsionar e organizar esta discussão. Sem fazer qualquer tipo de proposta preventiva que possa acautelar os partidos a participar do debate ou polarizar a posição do governo. Tem três pontos que são importantes. Agora isso vou ter que trabalhar junto com meu sucessor no Ministério da Coordenação Política. A questão da fidelidade (partidária), financiamento público e a votação em lista. Discurso este que vem sendo feito pelo presidente da Câmara, pela OAB. Vamos colaborar, induzir uma discussão o mais rápido possível?.

Inclusão jurídica, política e econômica: No já citado texto sobre ?a dispersão das ideologias?, Tarso Genro conclui sua análise indicando a necessidade de uma ampla ação política de inclusão jurídica, política e econômica ao sublinhar com exatidão: ?Outra proximidade é o uso indistinto do moralismo udenista pela direita conservadora e pela esquerda considerada ?extremista?. A primeira o faz para desmoralizar os políticos quando não é ela que está no governo, pois a rejeição à política atrai o voto alienado para a oposição. A segunda, porque se considera redentora messiânica da moral pública, que só existirá – ditada pelo seu partido – fora dos quadros da ?democracia burguesa?. Essa dispersão-confusão entre os valores políticos da esquerda e da direita não significa que eles se integraram, mas indica que -no momento em que o mundo da segunda Revolução Industrial ainda não morreu e o novo mundo global da ?sociedade da informática? ainda não amadureceu- as posições ainda não se renovaram para demarcar os seus opostos. Provisoriamente, nós – da esquerda – devemos ter claro que é preciso avançar, com uma paciência que não dispensa a ousadia, nas políticas de inclusão massiva das pessoas na nova sociedade de classes em formação.

Inclusão jurídica, política e econômica para que elas vejam o mundo de dentro de uma nova cultura e de uma nova vida moral, para que a utopia da esquerda possa se apresentar de novo como portadora do progresso humanizado e da esperança de igualdade?.

Labirinto: Tarso Genro enfrenta um novo e difícil desafio, mas seguro com a experiência adquirida e através de seus conhecimentos no campo do Direito, da Justiça e da Política. No labirinto que irá enfrentar, certamente seguirá o ensinamento de Norberto Bobbio que abre a sua página eletrônica (www.tarsogenro.com.br): ?O que o labirinto nos ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que não levam a lugar nenhum?.

Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal e diretor administrativo da Itaipu Binacional. E-mail: edesiopassos@terra.com.br

Voltar ao topo