Supositório do Planalto

As medidas provisórias não são, em si, atos que ferem o regime democrático e a independência e harmonia entre os poderes da República. Entende-se que no regime democrático existem leis que, pela urgência e relevância, mesmo tendo de ser de iniciativa do Poder Executivo e não prescindirem da apreciação e aprovação do Legislativo, devem ter vigência imediata, o que seria impossível se seguissem os trâmites normais. O processo legislativo, pelo qual teriam de passar, exige diversos pareceres e votações pelas duas casas do Congresso, às vezes posterior regulamentação e não raro demoradas licitações para que, só então, venham a ser aplicadas. Esse imenso corredor a ser percorrido pode fazer com que se percam no tempo.

Mas a urgência e relevância são indispensáveis. E não se há de alargar ao bel-prazer do Executivo o que seja urgência e relevância para permitir que presidentes comandem o País de forma ditatorial, legislando como no tempo do decreto-lei, sem nenhuma atenção e respeito à vontade do povo, que, pelo menos teoricamente, é expressa pelo voto dos parlamentares.

Assim tem acontecido. Tanto o atual governo como os anteriores sempre usaram e abusaram das medidas provisórias como uma forma de impor as providências que julgam necessárias, justificando com o rótulo de urgência e relevância providências legislativas que bem poderiam ser propostas ao Congresso e por este examinadas, aperfeiçoadas, modificadas, aprovadas ou rejeitadas. O número dessas MPs já se perdeu de conta. No governo passado, a oposição que hoje é governo condenou tal prática. Uma das desculpas para que se baixem MPs é que o Congresso é lento em suas decisões. Verdade, mas será sempre mais lento se entulhado de medidas provisórias, como hoje está.

Deputados e senadores perdem poderes e até razão de ser de seus mandatos.

O atual presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, deseja ser o porta-voz do descontentamento dos parlamentares e, em evento no SESC de Araraquara, que reuniu empresários, parlamentares e políticos locais para discussão da famigerada MP 232, que aumenta impostos dos prestadores de serviços, dirigiu severa crítica ao Executivo. Crítica merecida, porém expressa de forma chula e pouco própria de um presidente da Câmara dos Deputados. E inadequada para tratar de assunto de tanta relevância. Disse que ?a Câmara dos Deputados não vai ser apenas o supositório do Poder Executivo?. Não vai, na opinião de Severino, ser o instrumento da diarréia de MPs que macula o processo democrático.

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