Sistema Financeiro da Habitação – Por que o pagamento das prestações não amortizam o saldo devedor? (I)

Advogados ou não, todos nós já ouvimos pessoas, normalmente próximas a nós, relatarem que financiaram a casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação; pagam período considerável do financiamento e o saldo devedor, ao invés de diminuir, torna-se, mês-a-mês, maior, inclusive, em quantum muito superior ao valor de mercado do imóvel. Não há dúvida que o fenômeno é causa de perplexidade para os menos esclarecidos.

Para melhor compreensão do tema, passaremos a uma abordagem detalhada acerca da lógica e necessária redução do saldo devedor quando do pagamento das prestações, independentemente do sistema escolhido (SAC, Sacre, Price, Gradiente), a fim de que não ocorram desequilíbrios no pacto inicialmente contratado.

Quando o mutuário toma emprestado determinada importância sob as regras do Sistema Financeiro da Habitação, para pagamento em período determinado, o cálculo da primeira parcela deve abranger juros e parcela do capital a ser amortizado, em percentual suficiente e necessário para que, findo o contrato, a dívida resulte quitada, seja qual for o sistema de amortização adotado. O valor do seguro será desconsiderado neste momento, por se tratar de mera garantia.

Tomemos como exemplo um contrato em que, em certo momento, o saldo devedor é de R$ 30.000,00. Para amortizá-lo no prazo estipulado, o valor da prestação deve conter capital e juros; no exemplo dado, digamos que R$ 150,00 correspondem à primeira espécie, e R$ 350,00 ao pagamento dos juros. Para facilitar a compreensão, desconsideramos a aplicação de correção monetária. Portanto, o valor da prestação é de R$ 500,00.

Ocorre que na maioria dos casos o valor da prestação fica aquém do necessário para a quitação do capital e dos juros referentes ao mês do pagamento. Para o presente, digamos que o valor da prestação seja de R$ 300,00. Assim, a diferença entre o valor pago e aquele necessário para a quitação da parcela é de R$ 200,00.

Nesses casos os agentes financeiros, sem exceção, destinam o valor pago primeiramente para a liquidação de juros, restando em segundo plano a amortização do capital.

No particular, o agente financeiro direciona o valor da prestação (R$ 300,00) unicamente para pagamento dos juros, sendo que os R$ 200,00 (composto de R$ 50,00 de juros e R$ 150,00 de capital) faltantes são incluídos novamente no saldo devedor.

Nesse caso, o saldo devedor, ao invés de diminuir, é elevado para R$ 30.200,00 (cuja circunstância é chamada de amortização negativa), e assim sucessivamente, até tornar-se o contrato inexeqüível, por culpa exclusiva do agente financeiro, caracterizando, assim, a vulgarmente denominada “bola de neve”.

As circunstâncias que normalmente contribuem para desequilibrar o contrato vão desde o incorreto cálculo da primeira prestação, geralmente insuficiente – R$ 300,00 ao invés dos R$ 500,00 necessários -, até outros fatores alheios a vontade dos contratantes, como v.g., a existência de elevada inflação, o reajuste das prestações contratadas pelo Plano de Equivalência Salarial, tornando-as insuficientes para pagamento dos encargos necessários (amortização, juros e correção monetária etc).

Como exemplo temos o desastroso Plano Collor, em virtude do qual houve reajuste do saldo devedor em percentual superior ao dos salários dos trabalhadores, cuja matéria abordamos já nos dias 19 e 26/1/2003, no Caderno Direito e Justiça do jornal O Estado do Paraná.

Destarte, o contrato que inicialmente teria data certa para seu cumprimento, tem sua vigência prorrogada por prazo indeterminado, sem qualquer perspectiva de adimplemento, ferindo com isso os mais elementares princípios gerais dos contratos.

Ao priorizarem o pagamento dos juros com o valor da prestação em detrimento da amortização, as Instituições Financeiras afrontam o disposto no artigo 6.º, alínea “c”, da Lei 4.380/64, o qual prevê que “ao menos parte do financiamento ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais, sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluam amortizações e juros”.

Ademais, esse procedimento adotado pelo Agente Financeiro de embutir (adicionar) no saldo devedor a importância na coberta pelo valor prestação caracteriza a denominada capitalização de juros, uma vez que faz incidir juros sobre juros. Tal conduta afronta a Súmula 121 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que prevê: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Nas próximas semanas, abordaremos as questões específicas da ilegalidade nos procedimentos adotados pelos Agentes Financeiros, nos casos em que há amortização negativa (inexistência de diminuição do saldo devedor com o pagamento das prestações), e os procedimentos legais a serem adotados para obter sucesso na revisão dos cálculos utilizados pelos bancos.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do
Paraná.vps@juridicoempresarial.com.br

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