Sem noventena

Com 59 votos a favor e apenas 11 contra, o Senado da República aprovou o que o governo mais queria: a continuidade da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que de precariedade em precariedade dura já dez longos anos, com alíquota sempre maior. Foi a primeira votação, mas ninguém tem dúvidas: no dia 12 próximo o tema passará tranqüilamente às mãos do Executivo em tempo de deixar tudo como está, já que medidas excepcionais entrariam imediatamente em vigor para compensar as perdas da arrecadação assim que fosse interrompida a cobrança do “imposto do cheque” no dia 17.

A vigência do cascateiro imposto que nada mais tem a ver com a saúde dos viventes brasileiros se esticará até o último dia de 2004, isso se até lá não ressurgir a tese de prorrogá-lo novamente. Afinal, quem abre mão de uma entrada de quase 22 bilhões de reais por ano, sem considerar o poderoso instrumento de fiscalização sobre os demais tributos em que se transformou?

Duas outras decisões do Senado, igualmente tomadas por larga vantagem de votos, constituem outras importantes vitórias do governo: a primeira diz respeito à noventena, isto é, ao período prescrito pela Constituição para entrada em vigor de toda e qualquer contribuição. Com a tese vitoriosa de que a CPMF não é coisa nova, nem apresenta-se modificada, o Executivo continuará cobrando o tributo como se nada tivesse acontecido. Medidas compensatórias já anunciadas, incluindo cortes na execução do Orçamento, ficarão sem efeito e isso alivia também a tensão dos parlamentares, de olho em suas famosas emendas. Para o contribuinte, a essas alturas dos acontecimentos, dá praticamente na mesma. Em alguns aspectos, as compensações anunciadas eram ainda piores para a economia e, portanto, que venha CPMF sem noventena.

A segunda vitória do governo (52 votos contra apenas 14 e duas abstenções) no bojo da renovação do tributo refere-se à isenção da cobrança da CPMF nas operações das bolsas de valores. A matéria é altamente controversa, mas saiu vitoriosa a tese que elimina (ou continua eliminando) a cobrança sobre exatamente as… movimentações financeiras. O chamado capital de arribação continua com suas facilidades para ir e vir, enquanto o governo segue cravando sua mão extratora sobre salários e quejandos.

Quando começou, há dez anos, com vocação de imposto único, a CPMF era cobrada à razão de 0,20%. Hoje está nos 0,38%, com a beirada de 0,08% destinada ao Fundo de Combate à Pobreza. A pobreza agradece a ajuda, mas se alarga pelos fundões urbanos e rurais do país do futuro, enquanto a saúde pública segue o mesmo script: filas diante de hospitais e postos de saúde sem médicos e sem equipamentos. Outros 0,10% vão em socorro da nossa Previdência, tão injusta quanto maiores são os privilégios concedidos a poucos contribuintes com recursos do próprio erário público. A parte do leão, tirante outros 2% destinados a amenizar a guerra fiscal entre municípios, vai para o caixa do Executivo. Perde-se nos polpudos salários e generosas diárias.

E pensar que a CPMF é a parte mais visível de uma reforma tributária prometida e não realizada nos dois governos de FHC! O Brasil tem agora dois anos e meio para se preparar para o próximo embate. Ou realizar a reforma tributária em profundidade.

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