Sem essa de orgulho

O ministro José Dirceu, da Casa Civil e adjacências, diz que o País é “devedor do Congresso”. Que, além de devedor, “o povo brasileiro pode sentir orgulho do nosso parlamento”. Pinóia. Poucos poderão encontrar em seus achados e perdidos recentes alguma coisa que possa servir de motivo para louvações à casa dos representantes, assim como também falecem uma a uma as causas que poderiam fundamentar razões para ufanismos, brios ou orgulhos. Um Congresso que esquece os interesses do povo, do povo não pode esperar grandes reconhecimentos.

Motivos, quem os tem de sobra, é o governo. Sem o direito de confundir as coisas, é o superministro José Dirceu quem assim mesmo afirma, ao considerar que “2003 foi um ano vitorioso para o governo”. Para ele, que prefere não olhar a qualidade do trabalho produzido, “poucos parlamentos do mundo aprovaram leis e reformas tão importantes como o Congresso brasileiro fez” no ano que passou. Teria feito mais se, em tempos outros, quem hoje está no governo a produzir elogios para terceiros não tivesse atrapalhado como atrapalhou.

A reforma tributária, que Dirceu lembra como um dos grandes feitos do ano findo, não passa de arremedo, fatiada que foi até perder de vista. Além do mais, o parlamento ora elogiado foi humilhado a golpes de medidas provisórias do chefe do Executivo, na usurpação das funções legislativas – uma delas aumentando impostos, como a Cofins, que agora é um dos motivos escondidos do desencadeamento dessa corrida à remarcação de preços que o governo tenta segurar com os juros nas alturas. Pela reforma tributária (mas que reforma?) nada devemos ao Congresso e, também, não sobra o menor motivo para orgulho dele.

A outra razão citada pelo todo-poderoso ministro que, à moda de Sarney, já adverte até quitanda para os perigos da remarcação de preços, teria sido a reforma previdenciária. Mas tal reforma é exatamente o motivo da vergonha atual – essa convocação extraordinária para inglês ver, onde o que conta é o contracheque, não a tarefa a desenvolver – ou seja, a expectativa frustrada acerca da possibilidade de discussão de uma “emenda paralela”, a reforma da reforma da Previdência…

Teríamos orgulho do nosso parlamento caso não continuassem a acontecer fatos deprimentes como essa convocação extraordinária (já definida pelo próprio presidente da Câmara como um “escândalo”), a remunerar seus integrantes de forma tripla por um trabalho não realizado em tempo normal. E a encher os bolsos de pessoas que, menos de uma semana depois do início do expediente, foram convocadas pela outra reforma, a que deu acomodação ao PMDB no governo.

A arte dos ilusionistas é fazer com que os outros vejam aquilo que eles querem que seja visto. No Planalto, José Dirceu está se transformando no ilusionista-mor. Mas também isso tem limites. O governo do PT não é essa maravilha que ele está imaginando que seja, mesmo porque até aqui só repetiu o que vinha sendo feito sob o bravo combate do partido que queria mudar tudo isso que aí está. A violência no campo e na cidade não tem limites, o nível de renda das pessoas que trabalham de sol a sol continua caindo a olhos vistos, não há estímulos nem programas consistentes para o prometido espetáculo do crescimento, e a fila do desemprego aumenta assustadoramente, contrariando a principal promessa de palanque: a geração de dez milhões de novos empregos em quatro anos.

Um Congresso que não percebe coisas desse naipe não merece a gratidão do povo que representa. Antes, são seus integrantes que devem “agradecer” aos agentes do governo que lhe fazem a gentileza da ação de marketing, não sem cobrar caro a fatura do elogio: essa submissão, já anunciada, que o Planalto quer que atinja a dimensão de uma maioria com 80% de louvaminhas. Sem essa de orgulho.

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