?Sem democratizar as relações de trabalho não diminuiremos a conflituosidade entre capital e trabalho?

O Ministro do TST José Luciano de Castilho Pereira pronunciou discurso por ocasião das comemorações dos 60 anos da Justiça do Trabalho afirmando que ?deve, entretanto, ser sempre lembrado que a Justiça do Trabalho é uma justiça nova, que foi criada para instrumentalizar a aplicação de um direito muito novo, que é o Direito do Trabalho. Logo, os rumos da Justiça do Trabalho são os rumos do Direito do Trabalho?.

E ao indagar porque o Direito do Trabalho foi instituído, acentuou que ?o Direito do Trabalho surgiu como intervenção estatal para humanizar o capitalismo selvagem da 2.ª Revolução Industrial. Logo, surgiu com função civilizatória e democrática.

Conseqüentemente, pode ser dito que o Direito do Trabalho não foi criado para combater o capitalismo. Ao contrário, ele surgiu dentro do capitalismo, como instrumento de autocorreção do próprio sistema?. Destacamos, a seguir, outros pontos do discurso de 18 de setembro no TST.

Direito do Trabalho como resposta

Relembra o ministro o que escreveu o jurista Maurício Godinho Delgado:

?Na verdade, o divisor aqui pertinente é o que identifica dois pólos opostos: no primeiro, o capitalismo sem reciprocidade, desenfreado, que exacerba os mecanismos de concentração de renda e exclusão econômico-social próprios ao mercado; no segundo pólo, a existência de mecanismos racionais que civilizam o sistema socioeconômico dominante, fazendo-o bem funcionar, porém adequado a parâmetros mínimos de justiça social?. E acrescenta que ?o Direito do Trabalho foi elaborado porque o Direito Civil não tinha resposta aos novos contratos que surgiam, com realidades novas e muitas outras profissões, num clima de radical transformação nas relações econômicas e sociais. Era impossível que o Direito Civil, marcadamente individualista, tivesse resposta aos graves e crescentes problemas coletivos.

A lei é que passou a assegurar a libertação, na convivência entre o fraco e o forte.

No caso brasileiro, a situação era mais grave, porque somos herdeiros de uma sociedade escravocrata. De cinco séculos de vida, quatro deles tivemos uma economia fundada no trabalho escravo, que, por intermédio do subemprego e do trabalho degradante, deixa suas marcas até hoje. Mas nas três últimas décadas, numa volta ao século XIX, começou a ser pregado o Estado Mínimo, que se aproxima do Estado Nenhum, impingindo o afastamento de qualquer intervenção estatal na vida dos contratos trabalhistas, que devem se submeter às inderrogáveis leis do mercado. Afirma-se, claramente, que o responsável pelo desemprego, pelo subemprego e pela informalidade é a lei trabalhista; que provoca as ações da Justiça do Trabalho e, de 1988 para cá, as do Ministério Público do Trabalho. Mas a Justiça do Trabalho é causa da conflituosidade ou é o desaguadouro das péssimas relações de trabalho, na maior parte do nosso mundo laboral? No mundo empresarial brasileiro é alentador perceber que é crescente o número dos empregadores que vêem no trabalhador uma pessoa humana e não uma incômoda e descartável mercadoria?.

Diminuir a conflituosidade

O Ministro Luciano vai além em assinalar: ?Também penso que sem democratizar as relações de trabalho não diminuiremos a conflituosidade entre capital e trabalho, que resulta neste universo espantoso das reclamações trabalhistas. Logo, resultam infrutíferos os remédios puramente processuais que atacam o efeito e não as causas da questão social no Brasil. Poderemos diminuir o número dos recursos trabalhistas – já se chega a pensar até em não ter recurso nenhum; poderemos ser aliados da mais alta tecnologia; poderemos adotar processos totalmente virtuais e nada disto encobrirá a dura realidade da face angustiada dos milhões de excluídos, numa fantástica precarização da maior parte da classe dos trabalhadores brasileiros. Repito, a Justiça do Trabalho não é a causa da informalidade e do desemprego. Ela tem sido a depositária da esperança dos que não têm mais de quem esperar alguma coisa. Por isto sempre me lembro do verso livre de Bertold Brecht a cantar: ?A justiça é o pão do povo, às vezes bastante, às vezes pouco. Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim. Quando o pão é pouco, há fome. Quando o pão é ruim, há descontentamento?. Mas para distribuirmos este pão é preciso conhecer as condicionantes de nossa realidade, sem o que de nada valerão nossas teorias?.

A lei e a ação sindical

Outro ponto importante do pronunciamento do Ministro do TST é o que se refere à ação sindical: ?Nesta data em que comemoramos os 60 anos da Justiça do Trabalho é bom lembrar dos enormes desafios que o Direito do Trabalho e, por conseqüência, a Justiça do Trabalho têm pela frente.Voltando às suas origens deveremos cuidar de um Direito do Trabalho que leve a democracia aos ambientes do trabalho. Não para aliviar a Justiça do Trabalho, mas para permitir que se possa sonhar com uma economia que tenha no homem a razão de ser de todas as nossas ações. Mas para tanto precisamos mergulhar no estudo da realidade brasileira, que pouco conhecemos – o que é grave – mas pensamos que conhecemos – o que é gravíssimo. Assim, quando pretendermos substituir a lei pela ação sindical – o que em teoria é ótimo – não poderemos ignorar a realidade sindical brasileira fragilizada por flexibilização perversa, que leva até sindicatos fortes a entregar os anéis para não perder os dedos. Quando se sustentar que flexibilização da legislação trabalhista gera, necessariamente, mais empregos, deve se atentar para nossa realidade que desmente esta afirmação?.

Conflituosidade e realidade brasileira

Examinou a questão da realidade brasileira e a conflituosidade existente: ?É preciso conhecer nossa realidade para não sustentar que a conflituosidade está apenas no Direito do Trabalho. Ela é ínsita à realidade brasileira, como dizem os Juizados Especiais cíveis. Nem é possível reputar autoritária a Interferência do Estado para assegurar a justiça nos contratos, pois isto hoje preside o Código Civil Brasileiro, como se pode observar nesta citação do civilista Luiz Guilherme Loureiro, em sua Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil, dizendo que:

?Embora em alguns países em desenvolvimento a prática jurídica seja ainda fortemente influenciada pela doutrina neoliberal, cujas políticas tendem a valorizar entes abstratos como mercado em detrimento dos interesses da pessoa humana, verifica-se que o Direito moderno tende cada vez mais a abandonar o individualismo exacerbado e o interesse privilegiado do Estado para consagrar o sentido comunitário e o personalismo. (…) Destarte, os aplicadores do direito devem harmonizar o jurídico com o econômico. O contrato como conceito jurídico com o contrato como operação econômica, não tendo em vista apenas o interesse do mercado, mas, sobretudo, a justiça contratual. O regime contratual deve cumprir sua função econômica, realizar o valor utilidade que lhe é próprio, mas sempre com vistas à realização da Justiça e à preservação da dignidade da pessoa humana, que é o verdadeiro sujeito de direito.?

Vou buscar os meus direitos

O Ministro do TST finalizou: ?Basta dizer que, neste curtíssimo espaço de sessenta anos, a Justiça do Trabalho ocupou os espaços que lhe estavam reservados. Ampliou-os. De tal sorte que mereceu a confiança de todos na Emenda Constitucional n.º 45, que dilatou, enormemente, a competência de nossa Justiça. É o que conta a Boca do Tempo, nesta caminhada da Justiça do Trabalho, que é feita pelos nosso pés.

O mesmo vem acontecendo com o Processo do Trabalho, cada vez mais imitado pelo Processo Comum, que sempre viu com desconfiança a simplicidade e a eficácia do processo trabalhista.Todos temos motivos de nos orgulharmos da Justiça que ajudamos a construir, com muita luta e, às vezes, muita incompreensão.Estou absolutamente certo que a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho tenha, no estudo da realidade brasileira, seu objetivo principal, para que com ela não aconteça o distanciamento perigoso entre as abstratas teorias e a realidade sobre a qual elas devem atuar.Termino estas longas considerações com citação do ministro Carlos Ayres Britto, ilustre sergipano do Supremo Tribunal Federal: ?Não preciso fazer outro elogio à Justiça do Trabalho, senão recorrer à própria linguagem popular – vox populi, vox dei. O povo, quando se refere a uma ação trabalhista, diz: Vou buscar os meus direitos. Não existe este linguajar em nenhuma outra instância judiciária.?

Edésio Passos é advogado. E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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