Sem corporativismos

Numa República estruturada em bases democráticas, os cidadãos têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis e honestos. O princípio constitucional da separação de Poderes não pode ser usado para excluir a possibilidade de fiscalização externa. De ninguém. O Judiciário -assim como os demais Poderes – não é um universo isolado, fechado em si mesmo e os juízes não integram uma categoria especial de cidadãos.

Os ensinamentos, serenos e seguros, são de Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, e vêm em socorro às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acerca da necessidade de se vencer a guerra contra o crime organizado, se preciso estabelecendo controles externos sobre o Poder Judiciário. Ao contrário de muitos de seus colegas, o ex-presidente do Supremo rechaça o corporativismo com que o tema – que é tão antigo quanto o projeto de reforma do Judiciário (nove anos, ao menos) -, é tratado no meio da magistratura. Ele acha, inclusive, que os objetivos da proposta defendida por Lula em discurso de improviso “é repudiar em nome da supremacia do interesse público quaisquer abusos, desmandos e ilicitudes que eventualmente sejam cometidos por um magistrado”.

Em socorro à tese do controle necessário, não sobre o ato de julgar, mas sobre aspectos administrativos do Poder, Celso de Mello aponta que os juízes do STF estão constitucionalmente sujeitos a processo de impeachment no Senado e nem por isso têm reduzido seu grau de independência. E o professor de Direito Administrativo da PUC de São Paulo, Carlos Ari Sundfeld, acrescenta: “O Judiciário tem demonstrado um desempenho administrativo desastroso, marcado por decisões elitistas, má aplicação de recursos e pouca eficiência na apuração de irregularidades.” Sem falar, segundo o mesmo professor, nos processos que dormem nas gavetas por qüinqüênios sem explicação…

O debate que volta centrado apenas sobre o controle externo do Judiciário decorre, sem dúvida, de uma carga excessivamente alta de corporativismo que impregna a Magistratura – a única a vestir a carapuça nesta quadra de tão graves acontecimentos. Em sua ânsia de acertar, o presidente Lula não precisa de defesa, mas é imperioso que suas palavras sejam colocadas dentro do contexto em que foram ditas. E ele as pronunciou inconformado com o fato de o poder público (aí compreendidos todos os Poderes, o Judiciário inclusive) estar perdendo a guerra para o submundo do crime – um fato notório e que dispensa comentários. E por quais motivos o poder público está perdendo a guerra para meliantes e bandidos?

A resposta é sabidamente difícil, as causas são múltiplas, as responsabilidades, idem. Certamente cabem responsabilidades também ao Poder Judiciário, já autor e vítima que, como diz Tião Viana, o líder do PT no Senado, tem que ser submetido a controle, assim como o Legislativo e o Executivo, as polícias e tudo o mais que trata da coisa pública. Pois os tempos mudaram e “é preciso acabar com esse manto pétreo que o Judiciário quer ter”.

Como nas fábulas, enquanto os grandes debatem no Olimpo, nós, aqui na planície, como rãs no banhado, precisamos orar. Para que a ira dos poderosos não piore as coisas, já ruins em demasia por incompetência dos que se julgam bastantes para tudo e todos, mas incapazes de perceber que a platéia é, sempre, mais importante que o elenco dos que sobem ao palco. Afinal, sem platéia pouco sentido faz representar.

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