Salada ideológica

A queda do comunismo, por implosão, no leste europeu levou muitos brasileiros a acreditar que as ideologias haviam morrido. Mais do que isso, que elas se tornaram desnecessárias e que não mais deveriam constituir a alma dos partidos políticos. Já tínhamos um sistema partidário com agremiações sem ideologias claras. Ou mesmo, nenhuma. As agremiações eram apenas bandos de pessoas unidas com o objetivo de servir à coletividade e a maioria desejosa de dela servir-se. Não tinham a nobreza que lhes daria posicionamentos no campo das idéias; nem programas que seriam um mal menor porque gerariam fatos. Preferiu-se um quadro em que o interesse pelo poder é que unia grupos em torno de legendas. E um eleitorado que escolheria nomes e não partidos, programas ou idéias. Ficamos a adotar e aplaudir a mediocridade, o que é próprio de quem discute pessoas como nos papos de comadres.

Validou-se, destarte, a prática de trocar favores pessoais, promessas, demagogia, cadeiras de roda e dentaduras por votos, eternizando os problemas do País porque esse não é o caminho para sua solução. Embora não seja por isso que Lula venha pensando, como revelam alguns de seus íntimos, em unir as esquerdas tornando-as um único partido, com a fusão do PT com o PSB e o PC do B, é de se saudar sua intenção e augurar-lhe sucesso.

O objetivo do presidente da República e líder inconteste do PT é fortalecer o grupo que hoje ocupa o poder, agregando agremiações que pela cláusula de barreira – que permite a sobrevivência apenas das agremiações políticas que logrem 5% dos votos válidos na eleição para a Câmara dos Deputados – estão destinadas à extinção. O PT é desses partidos o único que tem condições de passar por essa barreira. O presidente cogitaria também de adicionar o PDT a esse grupo, sem dúvida o menos ideológico, mas ainda assim palatável pelo novo partido. Teríamos então um partido de esquerda, ideológico, não obstante muitos de seus membros nos últimos tempos venham abjurando posições desde sempre tomadas, trocando as idéias por cargos e encantos do poder. Inclusive no PT.

Nessa união das esquerdas numa única legenda, ficam de fora o PPS, liderado por Roberto Freire, e o PSOL, da senadora Heloísa Helena, agremiação formada por esquerdistas egressos do PT que romperam com Lula quando o presidente entregou-se a uma política econômica que sempre acusou de ser neoliberal e forçou a aprovação pelo Congresso Nacional de uma reforma previdenciária que nada tem com as pregações das esquerdas. E contrária aos interesses dos trabalhadores e do funcionalismo público que o próprio PT defendia há mais de duas décadas.

Desses partidos cogitados para a união das esquerdas sob uma única legenda, nenhum tem a autenticidade ideológica do PSOL, que ainda assim ficaria de fora. E, mesmo que convidado, não aceitaria unir-se ao PT, pois o considera uma espécie de ?traidor das causas do proletariado?, para usarmos a linguagem tão ao gosto dos marxistas.

Lula, se levar adiante o seu projeto de união das esquerdas, vai enfrentar problemas que talvez no momento nem cogite. O fisiologismo continuará a ser praticado, o poder, as verbas e os cargos falando mais alto do que as idéias. No mais, não terá força política suficiente para abrir mão de apoios como o do PL ou do PMDB, que insistentemente paquera. E sem essas agremiações situacionistas, mas não esquerdistas, poderá enfrentar o indesejável: a ingovernabilidade.

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