Ressocialização é utopia

Recentemente o ministro da Justiça Tarso Genro foi entrevistado sobre criminalidade e a superlotação dos presídios. Na oportunidade, falou também da ressocialização de presos condenados e da construção de novos presídios de segurança máxima. É um contra-senso, simplesmente porque inexiste ressocialização, pois esta consiste em dar ao preso condições profissionais, educacionais e culturais para que ele retorne à sociedade com capacidade de exercer alguma atividade nobre, de modo a contribuir e não mais viver à margem da sociedade. Alguns presídios até estão preparados para o ensino profissionalizante, porém a sociedade ainda não está preparada para receber os egressos do sistema prisional e o efeito é como o de um bumerangue quando atirado e que retorna à origem, às vezes provocando grandes estragos.

A população carcerária no Brasil é composta, em sua maioria, por pessoas das classes média e principalmente da baixa. Reflexo das condições sociais, culturais e financeiras. Então como falar em ressocialização, sem primeiramente, tratar da inclusão social das camadas mais carentes da população que vivem nas regiões metropolitanas e interioranas do País que não têm acesso à educação, à cultura e melhores condições financeiras? Nestas regiões são poucas as pessoas que possuem o 2.º grau completo ou que conseguem estudar em escola ou faculdade conceituadas e de nível elevado. As que vivem na roça são as que mais sentem, visto que o acesso a essas instituições torna-se dificultado por questões de sobrevivência, de transporte devido a distância dos grandes centros e a inexistência de infra-estrutura.

Dentro dessa realidade, observa-se ainda que estas são também as regiões que mais sofrem a influência negativa da criminalidade que procede dos grandes centros. A começar pelo tráfico de drogas que dá origem a outros tipos de crimes. Para exemplificar, os traficantes na ânsia de ampliar a sua área de atuação procuram jovens e pessoas mal instruídas da população carente, em princípio para viciá-los, posteriormente os introduzem no tráfico com a ilusão de enriquecimento fácil. Assim também surgem outros crimes. Essas pessoas, em sua maioria humildes e provindas de áreas agrícolas, se envolvem com o crime e quando detidas não têm condições financeiras para pagar um bom advogado. Nessas ocasiões, alguns até se prontificam a defendê-los, em troca de bens ou produtos que a própria família cultiva ou por pequenos objetos de valor, e os defendem (se é o que acontece) até que não tenham mais nada a oferecer, aí então abandonam seus clientes ao deus-dará, especialmente em casos de apelação, momento em que o acusado mais precisa de recursos financeiros e um bom advogado para sustentar a sua defesa. Nessa oportunidade o juiz nomeia um advogado dativo e este por não receber pelo seu trabalho, com raras exceções, nem sempre defende os mais carentes com a mesma dedicação que o faria se o seu cliente tivesse um poder aquisitivo maior. Aí então prevalece o bom senso e o poder do livre convencimento do juiz que profere uma sentença sumária que pode se tornar definitiva. Assim, os princípios igualdade e da ampla defesa são relegados ao segundo plano e o resultado então é desastroso, culminando com a superlotação das cadeias públicas e dos presídios, por falta de meios.

O processo de ressocialização não funciona justamente porque já começa errado. Uma pessoa pode ser detida e de imediato ficar presa, no caso de flagrante delito ou prisão preventiva, em determinados casos. Esta pessoa, dependendo da sua condição social e financeira será liberada em pouco tempo se for abastada, pois sempre haverá à espreita um advogado a lhe oferecer os seus préstimos, isso quando já não possui um próprio ?da família?. Ao contrário daqueles prejudicados social e financeiramente que têm de procurar um advogado para defendê-los de acordo com as suas condições de pagamento. Certamente este é também um dos grandes motivos pelos quais as prisões só contêm os ?ppps?, pobres, pretos e prostitutas, pois constituem boa parte da população carente.

Todo criminoso deve pagar pelo seu crime, porém a justiça deve ser feita de forma igualitária, dosada proporcionalmente, sem os costumeiros privilégios. Uma pessoa presa, no aguardo de julgamento ao ser condenada, por menor que seja a pena, já terá adquirido alguma experiência no mundo do crime. Quando egresso de um estabelecimento penal, seu retorno à sociedade nem sempre é visto com bons olhos, fortalecido ainda pelos preconceitos e problemas sociais que afligem a população. Significa dizer que há necessidade de maior investimento na educação e na cultura, nas condições sociais e principalmente infra-estrutura para municípios interioranos e nas camadas mais carentes da sociedade, a fim de proporcionar mais oportunidades àqueles que, na falta, optam pela vida criminosa, que os acolhe de braços abertos. A conseqüência será a diminuição da criminalidade e o desenvolvimento desses municípios, o que implicará também na redução do número de presos nas cadeias públicas e presídios e que certamente o custo será mais baixo que a construção de presídios de segurança máxima, cuja manutenção envolve milhões de reais em vão.

Em síntese, como se pode reintegrar à sociedade uma pessoa que nunca esteve integrada por falta de condições e melhores oportunidades. Portanto, não há que se falar em ressocialização sem que outras providências fundamentais sejam tomadas.

João Carlos da Costa é bacharel químico, professor, escrivão de polícia, jornalista e acadêmico de Direito.

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