Reflexões sobre o medo nas relações educacionais

?Transportai um punhado de terra todos os dias e farás uma montanha.?

Precisamos admitir: o medo é um dos maiores empecilhos do mundo. Não é só o homem que sofre pelo medo, ou com o medo. Os animais irracionais, como todos nós, os racionais, sofrem deste mesmo mal que muitos, por vezes, acham saudável. Mas, vamos por parte. Partiremos do pressuposto de que os animais necessitam se impor de alguma maneira e para tal, provocam o medo. É sabido que alguns animais babam para demarcar seu território; outros urinam, outros defecam, outros esparramam folhas e outros ainda fazem ecoar sons disformes, aterrorizantes. Alguns dos mais poderosos da cadeia gozam do privilégio de serem também aqueles que detêm maior força nos ?gritos?. De uma forma ou de outra, há, em cada um, uma boa maneira de afugentar o inimigo pelo medo, ainda que para alguns a saída nos pareça um tanto covarde. Muitos desses animais receberam uma maravilhosa ferramenta, chamada instinto por uns, sistema natural de defesa por outros e ainda habilidades pelos últimos. Não importa aqui o que é, o importante é saber que, para se opor ao medo, todos receberam ou desenvolveram uma ferramenta, sejam animais racionais ou irracionais. Partindo dessa afirmação, quantificar o poder de cada um deles seria, no mínimo, ignorância de nossa parte, uma vez que muitos dos grandes animais não são necessariamente os mais ferozes. Posso até testemunhar as inúmeras vezes que vi cães enormes e aparentemente ferozes fugindo de inofensivos gatinhos. Chegamos ao primeiro ponto da nossa conversa: o resultado e a eficácia da ferramenta irá depender do modo como o usuário a utilizar. É possível conseguir resultados absolutamente fantásticos usando apenas recursos simples, discretos, leves ou aparentemente inofensivos.

Os animais irracionais fogem do medo não sabendo teoricamente administrá-lo, ou não podendo efetivamente enfrentá-lo. Parece algo mágico, mas é possível observar, e isso não raramente, o quanto alguns evitam o conflito. Às vezes se escondem, às vezes se disfarçam, às vezes mudam de cor, às vezes exalam odores, e outras tantas saídas mais. Todas essas ferramentas, usadas na tentativa desesperada da fuga, e às vezes milagrosa de não chegar ao conflito, talvez prevendo a sua impotência diante da magnitude do adversário, nos mostram o quanto o medo pode interferir e interfere, em nossa capacidade de vivermos livres: chegamos ao segundo ponto de nossa conversa.

O que tenho visto nas escolas de educação infantil nas de séries iniciais do ensino fundamental sempre me deram medo, porém agora, em relação ao ensino superior, a questão me parece tristemente mais profunda. Quisera eu afirmar o contrário do que farei aqui, mas não tenho outra saída senão admitir a verdade: a escola tem pasteurizado o medo, embora não o tenha abandonado.

A professora e o professor, que no passado tomavam a lição, e, frente ao insucesso do aluno, o atacavam de tapas, castigos, pontapés e palmatória, possivelmente não existem mais. Não pensemos, contudo, que essas práticas estão totalmente esquecidas ou que foram substituídas por aquelas que levam o aluno à reflexão sobre seus atos, que cobram dele atitudes mais maduras, de acordo com o senso moral.

Ainda há, e muita, violência dentro da sala de aula. Claro que se espera do professor formação adequada para lidar com a escola e com os indivíduos que a constituem. Somos formados e formamos essas cabeças, mas quase sempre, na e pela presença do medo, plasmado em ameaças, provas, testes, e outros. Mesmo que estas formações não aconteçam, temos a condição de buscá-las porque elas estão aí, acessíveis a qualquer que seja o cidadão. Não podemos falhar, mas falhamos. O resultado é, às vezes, desastroso. O professor se apodera do jargão errar é humano e sai, quase sempre, ileso da situação. E o aluno? Esse, se houver alguém que o defenda, que lute por seus mínimos direitos, terá o mínimo de retratação. Mas nem sempre há retratação moral. Essa, quase sempre, torna-se ineficaz, paliativa ou impossível. Impossível porque ninguém pode mensurar o tamanho do ferimento no outro. E o que é pior: uma vez causada a ferida, quem irá localizá-la? Quem irá restaurá-la? Quem pode reconduzir o aluno à coragem, ao sonho, à bravura e à liberdade? O bicho papão está de cara nova.

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