Reflexões para o debate eleitoral: reforma política, constituinte e pacto social

Os fatos relacionados com o processo de corrupção em setores essenciais da vida nacional e a crise política-partidária-eleitoral, remetem o país para um esforço coletivo que permita viabilizar a abertura para novo patamar de afirmação democrática. A imprensa desempenha papel relevante, possibilitando o conhecimento minucioso das questões, interpretações e posicionamentos sobre tais fatos. A somatória de centenas de vigorosas ações do Ministério Público e da Polícia Federal no combate à corrupção generalizada, com a ação do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, e do Congresso Nacional, formam um quadro que enseja a reflexão sobre a necessidade de ações da sociedade civil organizada no enfrentamento da crise. E as eleições de outubro são parte, necessariamente, desse canal condutor da reação a este estado das coisas.

As ações organizadas da sociedade civil atualmente têm como alvo (1) o sistema partidário, eleitoral e de representação parlamentar (2) o sistema democrático de representação e implementação administrativa do setor público (3) o sistema de um efetivo controle das contas, gastos e investimentos públicos e a destinação dos recursos públicos (4) o sistema de controle da participação dos grandes grupos econômicos na vida político-partidária (5) o sistema de organização da empresa, dos trabalhadores e de suas organizações representativas (6) o aperfeiçoamento do sistema no plano do Judiciário. Diante dos obstáculos existentes, já se tem ciência que será necessária ampla e profunda ação contra vícios histórico-estruturais que debilitam os sistemas apontados. Trata-se de reconstruir o conjunto desses sistemas, de modo a extrair da velha condição o que se provou de saudável e de introduzir o novo colhido das experiências do mundo em transformação. A análise teórico-prática de cada setor se impõe como condição necessária ao diagnóstico social. Pesquisa do Ibope (agosto/2005) assinalava a fragilidade das instituições diante dos olhos do povo: 9% confiavam nos políticos, rejeitados por 90% da população; os partidos políticos rejeitados por 88%; a Câmara dos Deputados por 81%; o Senado Federal por 76% e o Poder Judiciário por 51%.

Novo pacto social

Há indicativos visíveis pela implementação de fórum nacional de todos os setores sociais no debate destas questões que indique as bases de novo pacto social. Pode-se considerar que o pacto nacional, com contrato social, foi alcançado parcialmente com a promulgação da Constituição de 05 de outubro de 1988. Ao definir juridicamente a constituição da ?nova? sociedade, isto é, a sociedade que emergiu de 25 anos de ditadura militar, a Carta de 88 estabeleceu, em todos os campos, os parâmetros da convivência nacional e os direitos e deveres sociais, recompondo e finalizando a primeira etapa do processo iniciado com a lei da anistia política de 1979 e abrindo caminho que possibilitasse um novo acerto entre as classes sociais.

Esse acerto foi gradativamente se tornando cada vez mais difícil, diante do avanço do neoliberalismo, gestando uma sociedade em que as diferenças econômicas, sociais e culturais foram o predominante na década de noventa. O acervo negativo herdado pelo governo do Presidente Lula obrigou a adotar série de medidas corretivas particularmente no campo econômico, visando o equilíbrio das contas públicas, o controle dos gastos, o combate da inflação, a retomada dos índices da produção e exportação, a geração de mais empregos e atividades geradoras de ganhos, o incentivo aos investimentos locais e internacionais, o fortalecimento da moeda, os programas sociais às camadas pobres da sociedade. Atingido este patamar de crescimento, inesperadamente a sociedade é marcada pela crise de ordem moral no campo político e de diversas operações fraudulentas no campo econômico. Tratando-se de uma crise profunda, embora sem atingir a base econômica sustentada pela política do governo federal, passou-se a refletir sobre a necessidade de uma efetiva ação transformadora global.

Por isso, ao se trabalhar sobre a idéia de uma ação transformadora integral e de assinalar a necessidade das bases de um novo pacto social e/ou nacional, primeiro há que se verificar em que sociedade vivemos e que, diante de diferenças profundas e do momento de crise, qual acerto será possível. Tarefa complexa a que são chamados os homens de boa vontade em um momento excepcional da vida brasileira. Desafio colocado às nossas principais lideranças que terão a grande oportunidade de demonstrar que a experiência acumulada neste recente período democrático e as lições colhidas do processo eleitoral serão aplicadas em benefício do conjunto de nosso povo.

Reforma política e Constituinte

Neste complexo quadro, há consciência de que uma das prioridades é a reforma política. Mas as iniciativas da atual composição do Congresso Nacional restaram improdutivas. Somos, então, colocados diante de um novo-velho processo eleitoral, em que o sistema político-partidário não foi reformulado, nem o próprio sistema eleitoral. Poderá resultar dele, no plano do Legislativo, pouca ou nenhuma alteração fundamental. Por isso, no bojo da campanha, foi colocada a idéia de Assembléia Nacional Constituinte convocada especificamente para implementar a reforma do Poder Legislativo e do sistema partidário-eleitoral.

Trata-se de idéia nascida de que a próxima composição do Congresso Nacional não sofrerá alterações substanciais e será incapaz de promover as mudanças necessárias neste campo. Desde a Legislatura 91/94 sucedem-se as proposições de emendas constitucionais da reforma política, sem qualquer êxito. E o debate não apenas tem sido distante da sociedade, como viciado por muitos interesses ilegítimos, pessoais ou grupais.

A objeção principal é de que a Constituinte deve ser convocada quando necessário um novo e amplo pacto social e/ou nacional, diante do esgotamento do modelo político-administrativo como um todo. Não é possível a especificação de apenas um tema para a convocação da Constituinte, eis que esta tarefa já está prevista na formulação de emenda constitucional pelo Congresso Nacional. Mesmo assim, o debate não será inócuo, em especial neste momento eleitoral em que as pessoas se encontram abertas a analisar as contradições sociais, econômicas e políticas.

Por isso, caso não se consiga a formulação final de uma proposta constituinte, a composição do Legislativo Federal a ser formatada a 1º de outubro terá que responder a esta questão. Se não souber fazê-lo com a urgência que a matéria determina, creditará aos que defendem a tese constituinte a possibilidade de levar à frente a idéia.

A experiência histórica

Relembramos nossas afirmações em texto anterior: ?a experiência histórica de pactos, na Europa e na América Latina, permite avançar para alguns parâmetros que poderão ajudar nessa caminhada. O primeiro, e mais significativo, é o de que nenhum grupo, segmento ou representação social poderá estar fora da conversação e dos encaminhamentos concretos. O segundo, de grande valia, a capacidade dos mediadores, lastreados em conhecimentos teóricos e de vida para bem manejar os procedimentos. O terceiro, de igual importância, saber indicar as metas factíveis e o período em que as mesmas deverão ser alcançadas. Por certo, a estes elementos outros serão somados, colhidos das lições já apreendidas por outras sociedades nas suas tentativas de encontrar pontos de identificação sobre os quais foram erguidas as bases de um entendimento duradouro. Missão difícil, mas necessária, diante dos acontecimentos atuais que abalam a nossa sociedade, mas que levam a refletir sobre a necessidade de reconstrução que irá atingir, não apenas o campo da organização política, mas da organização econômico-social?.

A crise política não é apenas de conduta, no âmbito parlamentar, mas vai muito além, pois envolve o conjunto do sistema político-partidário-eleitoral, assim como o sistema de organização econômico-social.Os cenários que devem ser avaliados indicam que as organizações da sociedade civil, em especial as representações dos empresários e dos trabalhadores, deverão se movimentar rumo a propostas que possibilitem a formação de um fórum nacional que implemente as idéias da reconstrução nacional, como sólidas bases econômico-sociais e de firme sustentação política.

Os dias seguintes demarcam a linha de construção a ser adotada pela sociedade civil. Nossa imperfeita Democracia tem tido seus instrumentos institucionais testados diariamente. O encontro do povo como a ação político-eleitoral sempre tem sido uma escola de ensinamentos. Um deles é o que estamos diante da necessidade da quebra de barreiras corporativas, possibilitando identidades básicas das representações de todos os segmentos sociais.

Sabemos que o novo nasce do velho. Ao focar a necessária ultrapassagem do velho, para seguir a transformação para o novo, citamos novamente a velha lição de Maquiavel: ?Costumam dizer os homens prudentes, e não é por acaso nem sem mérito, que quem deseje ver aquilo que há de ser, considere aquilo que foi porque todas as coisas do mundo, em cada tempo, têm seu próprio embate com os antigos tempos.,O que nasce porque, sendo elas operadas pelos homens, que têm e tiveram sempre as mesmas paixões, convém por necessidade que lhe suscitem o mesmo efeito?. É o que se tem denominado de aprender com as lições emanadas de nossos erros.

Edésio Passos é advogado é ex-deputado federal (PT/PR).

E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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