Realidade virtual

Daqui para frente, tudo vai ser diferente… Inspirados na letra de uma conhecida música do cancioneiro popular brasileiro, os mentores da grande mensagem de fim de ano em preparação pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva estão dispostos a criar uma realidade virtual para brasileiros e brasileiras cada vez mais atolados no cipoal tributário cuja reforma, fatiada, foi colocada em banho-maria. O documento intitulado “Roteiro para o balanço de um ano de governo” sugere mais que isso. Ordena que a prestação de contas não seja “passiva” e que se continue a vender a esperança como um produto que já está na prateleira de cima: basta que o cidadão encontre uma banqueta que o ajude a alcançar o pacote.

Não se tem conhecimento até aqui de semelhante estratégia de marketing: uma cartilha destinada a ministros e condestáveis do primeiro escalão de governo para ensinar como devem proceder na falação de fim de ano – uma grande produção que inclui uma megarreunião de Lula, todos seus ministros, parlamentares, governadores, prefeitos e integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. “A mudança já começou”, insistirão todos, de acordo como quer o publicitário Duda Mendonça, autor bem remunerado da genial idéia.

José Genoino, o presidente do PT, já aprendeu a lição. Ele resume que a mensagem do partido (vai ao ar nesta quinta-feira, pela TV), é de “confiança e otimismo” e que “o ano de 2004 será melhor do que este porque as dificuldades foram superadas, há confiança e credibilidade maior no País, as reformas já terão sido aprovadas no Congresso e vamos comemorar o fim da recessão”. A cartilha que ensina o governo a governar já está sendo usada também pelo presidente Lula. No seu programa quinzenal de rádio, o segundo da série, ele insistiu na “certeza de que 2004 será um ano muito melhor”. O Brasil, disse, “vai voltar a crescer, gerar empregos e gerar distribuição de renda”.

É forçoso observar que nos meios produtivos e empresariais esse clima de otimismo não existe. Nem entre trabalhadores, desempregados e autônomos informais, cujo número cresce a olho visto. A realidade virtual do governo não leva em conta, por exemplo, que a renda média do trabalhador caiu 15,2% em termos reais durante o primeiro governo de Lula, o sindicalista, e que os empregos gerados não cobriram nem a metade dos novos trabalhadores chegados ao mercado, enquanto a taxa nacional de desemprego já está situada na casa dos 13% (1,7% maior que a taxa registrada no malsinado ano de 2002).

Lula continua falando em sua vontade férrea de dar dignidade às pessoas. É um bom discurso, aliás, o mesmo que lhe trouxe a vitória nas eleições. Acontece que as eleições já passaram, agora ele é governo. E do governo espera-se muito mais que simples discursos. Também pode ser interessante a decisão de “tirar mais de quem tem mais, para garantir benefícios a quem tem menos”. Acontece que o que o governo tira (e nem sempre de quem tem mais) custa chegar – e às vezes nem chega – a quem tem menos. Estudos realizados por gente séria dão conta de que nunca pagamos tanto. E as últimas medidas do governo, como as novas alíquotas da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que saltaram de 3% para 7,6% em troca de um alegado fim da cumulatividade, nos exigem ainda mais. O impacto será tão grande que obrigará o setor produtivo a aumentar seus preços nas proporções da elevação do imposto, garantem especialistas. Nem se fale aqui da CPMF, cuja alíquota fixada em 0,38% já são favas contadas.

O otimismo do governo só não é totalmente postiço à vista da saúde, pelo menos aparente, do caixa da União. O ministro Antônio Palocci, da Fazenda, de fato tem o que comemorar. Mas daí a contaminar o resto da nação, especialmente a parte que não vive grudada nas tetas do governo, é, no mínimo, um erro de cálculo. Tamanha vesguice só tem justificativa no mais próximo objetivo da máquina central do governo do PT: as eleições municipais. Resta saber se o tiro – isto é, essa estratégia de marketing dissociada da realidade – não acabará saindo pela culatra.

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