Quem é o mais confiável?

A esta altura, Lula, Ciro e Serra trabalham com a mesma perspectiva: irão ao segundo turno. Pelo eleitorômetro, que mede as pulsações das pesquisas, Lula é quem porta, nesse momento, a maior possibilidade de ingresso no segundo pleito. Numa escala de 1 a 10, Lula está próximo da margem maior, Ciro oscila em torno de 7 e Serra caminha, hoje, no círculo do 5. Para Garotinho, sobra um mínimo espaço perto da margem menor. Mas o imprevisível faz parte do cardápio eleitoral. O espaço do imponderável abriga gafes e escândalos envolvendo candidatos, climas catastróficos e insegurança econômica, débeis performances nos debates que se travarão na TV e programas eleitorais obtusos. Some-se a isso a tendência do eleitorado de adiar a tomada de decisões. Entre 45% a 50% dos eleitores ainda não decidiram em quem votar. Diante desse quadro, as indicações são meras inferências passíveis de alteração.

A viabilidade de uma equação política depende dos vetores de força e fragilidade de cada candidato. O vetor mais consistente de Lula é a significação que sua candidatura representa: o desejo de mudança clamado pela sociedade, o sentido ético e moral expresso por seu perfil e história e a identificação com as causas dos contingentes mais pobres e marginalizados. Mas a própria base que sedimenta a força de Lula alimenta seu principal contraponto: a falta de uma formação consistente, não sob o prisma de vivência dos problemas, mas sob a perspectiva dos conhecimentos adequados para comandar o país, entre os quais a experiência de governo e uma consistente formação no campo de conceitos e idéias estruturadas.

Lula e seus assessores até podem garantir que seu perfil foi forjado pela escola da vida. São visíveis as melhoras no discurso, nas atitudes e na percepção das realidades. Dizer, porém, que está preparado para tomar decisões de grande envergadura e discutir, de maneira profunda, questões de alta relevância social, é exagero retórico. Talvez essa precariedade explique o plano mais horizontal do ideário de Lula, cujo pensamento caminha pela trilha de observações e descrições que primam mais pelas generalidades do que pelas especificidades, mais pelo diagnóstico e menos por soluções de caráter técnico. Não há como deixar de se constatar que o mais renomado e completo perfil de líder popular do país expõe carências e imperfeições, que o olho vesgo do PT insiste em atribuir à discriminações contra a origem do candidato. Nos debates, os aspectos negativos de Lula podem (não necessariamente devem) esmaecer seu perfil, principalmente no segundo turno.

Ciro Gomes cresceu no vácuo deixado pelas incertezas que Lula ainda provoca e pela insatisfação decorrente do aumento da taxa do Produto Nacional Bruto da Infelicidade. Aumento de gasolina, violência, desemprego, os climas angustiantes das grandes cidades, a sensação dos cidadãos de que andam sem sair do mesmo lugar, formam um sistema de pressão que empurra a sociedade para as portas de saída do status quo. Ciro, que ainda tem leve plumagem tucana, passa a ser alternativa diante das rejeições das margens oposicionista (Lula) e situacionista (Serra). Quem pode deter Ciro é a própria impetuosidade do perfil. Os ataques do ex-governador são de tal vigor que, em certos momentos, tem-se a impressão de que ele não consegue dosar as munições da emoção e da razão. Tiros incertos podem se voltar contra ele mesmo. A densa carga de dados citada por Ciro tem o efeito de atropelar a seqüência segura para o consumo e compreensão das idéias. Sairá bem nos debates, mas o pouco tempo de TV, diminuindo a visibilidade, poderá corroer parcela de suas intenções de voto.

José Serra é um candidato de peso. Preparado e experiente. Mas é um picolé azedo. O perfeccionismo com que procura formatar o discurso acaba tirando a humanidade do perfil. Não assumiu o governismo de Fernando Henrique nem o oposicionismo de Lula. E não consegue se mostrar como alternativa como Ciro Gomes. Mas terá um enorme espaço de TV para se recuperar e entrar forte no segundo turno. Enfrentará os maiores desafios: usar bem seu tempo, porque um programa de TV amorfo, chato, sem criatividade, funcionará como bumerangue; colocar-se como melhor opção, mostrando como avançar sem comprometer a administração da qual fez parte; e motivar as estruturas que o apóiam, hoje desmotivadas.

O ingresso no segundo turno não é passaporte para a vitória. Garante, apenas, que o jogo será reiniciado do zero a zero. Programas e propostas, emoção e razão convergirão para um só conceito: confiabilidade. Aquele que conseguir passar o conceito de mais confiável ganhará a eleição.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail:gautorq@gtmarketing.com.br

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