Propriedade Intelectual e OMC

Dentro do sistema jurídico da Organização Mundial do Comércio, tem-se o acordo TRIPS – voltado à propriedade intelectual, adotado na Conferência Ministerial de Doha em 14 de novembro de 2001 -, o qual não apenas impõe obrigações ou deveres aos membros da OMC, mas também lhes concede um conjunto considerável de direitos. Além do acordo TRIPS tem-se, ainda, as convenções da Organização Mundial da Propriedade Intelectual nele incorporadas. Incorporação esta feita, muitas vezes, de modo genérico, fato este que aumenta ainda mais a flexibilidade do arcabouço jurídico internacional em matéria de propriedade intelectual.

O acordo TRIPS é singular dentre os demais acordos da OMC, eis que incorporou disposições de várias convenções pré-existentes em seu corpo de regras, sendo as mais importantes a Convenção de Paris sobre a Proteção de Propriedade Industrial, a Convenção de Berna sobre Obras Literárias e Artísticas e as convenções da OMPI. Deve-se observar que apesar do acordo TRIPS não interferir nas obrigações derivadas das Convenções de Paris, de Berna e das OMPI, ele pode teoricamente modificar direitos que membros têm sob tais Convenções. Referido acordo pode ser caracterizado como o primeiro esforço multilateral para regular os mecanismos judiciais e administrativos internos que os membros devem manter em relação à aplicação de um conjunto de regras legais pactuadas em prol da propriedade intelectual.

A obrigação geral dos membros de fornecer mecanismos de aplicação exige que os procedimentos de execução sejam disponíveis sob suas leis de forma a permitir ação efetiva contra qualquer ato ou infração de direitos de propriedade intelectual cobertos pelo TRIPS, incluindo remédios rápidos para evitar infrações e remédios que constituam um meio de dissuasão contra infrações ulteriores, tais como a concessão de liminares em circunstâncias que envolvam licenças compulsórias, por exemplo.

Os detentores de direitos de propriedade intelectual devem ter acesso a tribunais ou autoridades administrativas e devem ter direito ao devido processo legal, as decisões e legislações emanadas devem possuir órgãos responsáveis pela sua revisão e o princípio da transparência e da publicidade devem acompanhar toda e qualquer atividade que interfira em direitos de propriedade intelectual.

Já a Declaração de Doha tem uma aplicação específica em saúde pública, ratifica o direito dos membros de beneficiar-se da flexibilidade inerente do acordo TRIPS, esclarece o significado das disposições relacionadas ao licenciamento compulsório e à importação paralela e autoriza uma extensão para países menos desenvolvidos em relação à implementação e execução de proteção de patentes farmacêuticas.

Para os propósitos do acordo TRIPS, a expressão propriedade intelectual refere-se a todas as categorias, ou seja, direitos autorais (Convenção de Berna), marcas (Convenção de Paris), indicações geográficas (Convenção de Paris e TRIPS), desenhos industriais (TRIPS), patentes (Convenção de Paris), topografias de circuitos integrados (OMPI), informações confidenciais (Convenção de Paris) e controle de práticas de concorrência desleal (Convenção de Paris).

O artigo 1:1 do acordo TRIPS obriga que os membros da OMC estabeleçam um padrão mínimo de proteção à propriedade intelectual, mas declara que os membros são livres para estabelecer como será feita esta implementação de padrão mínimo de proteção. Ou seja, deixa-se para o sistema legal próprio de cada membro a forma de estabelecimento, não existindo, então, obrigação de implementação imediata pelo direito nacional da proteção mínima.

Os artigos 3 e 4 tratam do princípio do tratamento nacional (o membro deve tratar estrangeiros e nacionais de maneira equivalente para fins de obtenção e aplicação de direitos de propriedade intelectual) e da nação mais favorecida (um membro deve tratar nacionais de diferentes membros da mesma maneira e não deve conceder privilégios especiais para nacionais de membros específicos). Contudo, estes princípios comportam limitações e exceções, como nos casos de licença compulsória e importação paralela.

Os artigos 7 e 8 tratam dos objetivos do acordo e dos princípios geralmente aplicáveis à sua interpretação e aplicação. O artigo 7 confirma o que diz o preâmbulo do acordo, ou seja, que os direitos de propriedade intelectual visam a um equilíbrio entre os interesses de detentores privados, que confiam na proteção jurídica para incentivar a criatividade e a inventividade e, a sociedade, que espera beneficiar-se do acesso a criações e da transferência e disseminação da tecnologia. Por sua vez, o artigo 8 indica que os membros podem adotar, desde que tais medidas sejam compatíveis com o acordo, medidas necessárias para proteger a saúde e a alimentação públicas.

Analisando-se o tema propriedade intelectual, percebe-se que no contexto mundial existem duas esferas que tratam do tema, a OMC e a OMPI. A importância da OMPI já foi devidamente reconhecida com a incorporação de suas convenções pelo acordo TRIPS, o qual faz parte do acordo constitutivo da OMC. Além do que, existe a recomendação de que em caso de solução de controvérsias as decisões da OMPI devem também ser levadas em consideração. Neste aspecto observe-se que a OMPI possui o seu próprio sistema de solução de controvérsias exclusivamente em matéria de propriedade intelectual, possuindo corpo de árbitros, consultores e professores especialistas que prestam serviços ao órgão. A diferença básica é que a OMPI serve à iniciativa privada.

Outra constatação que pode ser feita é que o sistema de solução de controvérsias da OMC será provocado com maior ênfase à solução de controvérsias que digam respeito a produtos farmacêuticos, sob dois argumentos principais: a)flexibilização existente no próprio acordo TRIPS; e, b)ao papel da função social que exerce a propriedade intelectual, principalmente frente aos países em desenvolvimento ou com relativo desenvolvimento.

Quanto à ultima argumentação, ou seja, ao papel da função social da propriedade intelectual, este argumento será usado principalmente para controvérsias que envolvam produtos farmacêuticos e o mercado de medicamentos genéricos. Neste aspecto interessante observar que a argumentação de saúde pública, interesse nacional ou direitos e deveres elencados pelas constituições nacionais poderão superar as normas internacionais existentes.

Patrícia Luciane de Carvalho é advogada, mestranda em Direito e autora do livro Joint Venture – Uma Visão Econômico-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial.

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