Pouca sensibilidade

Em um minuto e vinte e oito segundos, e de maneira simbólica, os representantes do povo com assento na Câmara dos Deputados aprovaram aumento salarial de 54% em causa própria, elevando seus vencimentos mensais de R$ 8.280,00 para R$ 12.720,00 a partir da próxima legislatura, isto é, fevereiro. O projeto, após a aprovação também sumária no Senado, não será submetido à sanção presidencial como outros assuntos de relevância para o País, neles incluído o valor do novo salário mínimo, ainda não decidido.

Os parlamentares brasileiros não ficaram contentes. Queriam um reajuste bem maior, que lhes elevasse o contracheque para além dos dezessete mil reais mensais. O aumento autoconcedido puxa uma série de outros aumentos, num efeito dominó que beneficia deputados estaduais de todos os estados brasileiros e vai terminar nos vereadores. Na Assembléia Legislativa do Paraná, por exemplo, o vencimento de um deputado saltará de R$ 6.200,00 para R$ 9.500,00, enquanto um vereador de Curitiba terá seu contracheque engordado de R$ 4.500,00 para R$ 7.100,00. Vereadores de municípios falidos também haverão de exercitar seus “direitos”.

Mas não é tudo. Como já dissemos aqui, o ano de um representante do povo não tem apenas 12 meses. Incluindo o 13.º, eles têm direito a quinze salários por ano, mas, dependendo de convocações extraordinárias (e essas geralmente acontecem dentro de negociações realizadas também em causa própria), podem chegar a dezenove. Além disso, existem verbas extraordinárias para contratar funcionários e cobrir despesas relativas ao exercício do mandato, como passagens aéreas, correspondência, conta telefônica, impressos, automóvel, quota (25 litros diários!) de gasolina, despesas com aluguel de escritório nos estados e, dentre outras mais, auxílio-moradia. O exemplo que vem de cima contagia, pelo mesmo efeito dominó, toda a representação popular nos estados e municípios. Os últimos a adotarem o auxílio-moradia foram os deputados paulistas.

Não vamos entrar no mérito dos valores percebidos. Sempre existirão os que entendem que a nivelação não deve acontecer pelo piso, mas pelo teto… O problema não estaria nos deputados (e outros condestáveis da República) que ganham mais, mas nos mortais sem mandato que ganham pouco demais. Há um “porém” em tudo isso: na situação em que se encontra o povo brasileiro, é inegável que falta sensibilidade à classe política, incapaz de adotar critérios semelhantes aos que aplica em causa própria para o resto dos brasileiros – os mais de 170 milhões de habitantes que lhes sustentam a mordomia.

E essa falta de sensibilidade causa danos irreparáveis na imagem dos parlamentares – de senadores a vereadores. O aumento que acabam de se autoconceder solidifica a imagem de que, não interessando partidos, ideologias ou discursos, políticos estão sempre dispostos a resolver, primeiro, seus próprios problemas, pouca importância dando para os interesses do povo que deveriam representar. Colabora também para construir o conceito, sempre danoso à democracia, de que a classe política é um mal necessário, quando na verdade deveria ser o motor do desenvolvimento, das conquistas e dos avanços sociais e da justiça. O episódio que acabamos de assistir é deplorável. Uma voz sequer se elevou para dizer aquilo que, aqui na planície, o povo pensa e demonstra, sempre com clareza, quando é convidado a se manifestar – como recentemente – pelas urnas.

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