Pobre gosta de inflação sob controle

A maior contradição com que o PT terá de lidar neste ano eleitoral será defender a política econômica do presidente Lula, da qual discorda frontalmente. Como o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, seguirá prestigiado, o alvo preferencial do PT passou a ser o ex-tucano e presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, responsável pela execução da política de juros. Nesta entrevista, concedida na sexta-feira, Meirelles defende o BC, destaca os efeitos sociais positivos da política de combate à inflação e diz que o nível adequado das reservas só é percebido quando se chega lá.

Não é só o PT e o fogo amigo dentro do governo que estão contra a política de juros. É grande o número de ex-presidentes e ex-diretores do BC convencidos de que o banco exagerou na dose dos juros. Nessa lista estão Gustavo Loyola, Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Ibrahim Eris, Sérgio Werlang e Ilan Goldfajn. Como economistas tão experientes em políticas públicas podem estar equivocados em matéria de política monetária?

É normal que o Banco Central assuma posições mais cautelosas do que o resto do setor privado. Em todo o caso, em 2005, a inflação vai ficar acima da meta de 5,1%. Se ficou acima da meta não dá para dizer que o Banco Central exagerou. São esses economistas que têm de explicar por que insistem em que houve exagero se a inflação ficou acima da meta.

Para o Banco Central, a formação de expectativas é elemento essencial na condução da política monetária. Por que, então, está perdendo a batalha na opinião pública sobre os juros?

Este é um ponto muito importante. Na pergunta anterior, a discussão é sobre sintonia fina. Nesta, é sobre até que ponto a sociedade deseja uma inflação baixa e na meta. Países que dão valor a inflação baixa e na meta dão alta prioridade ao combate à inflação e acham que vale a pena pagar os custos disso. Algumas camadas da população entendem que a inflação não é fenômeno tão nefasto como se diz e que é possível crescer mais com mais inflação. É concepção errada, fruto de nossa história. Quando ficarem mais claras as vantagens da inflação baixa e da inflação na meta, essa batalha vai perder importância.

O que falta para que a sociedade tenha essa percepção?

Parcelas da população de renda mais baixa já perceberam as vantagens de uma inflação controlada, especialmente no salário, que rende mais. As camadas mais ricas, que aprenderam a perder menos com a inflação, são mais resistentes. Enfim, falta convergência da inflação para a meta por um período mais longo.

A maioria dos críticos diz que, se os juros baixassem mais rapidamente, não haveria nenhum efeito relevante sobre o comportamento da inflação. Por que a obsessão do BC?

Não há obsessão. O Comitê de Política Monetária (Copom) analisa todas as variáveis que interferem na inflação e fixa os juros de acordo com o que vê. Mas essa pergunta tem relação com a anterior. Na medida em que uma importante parcela da população ainda não entendeu que o cumprimento da meta é importante, o desempenho da tarefa do BC de cumprir a meta passa a ser considerado obsessão. Há alguns anos, brasileiros residentes nos Estados Unidos diziam que os americanos têm obsessão em respeitar os semáforos. Para esses brasileiros, obedecer sinal vermelho não era considerado boa prática; era obsessão.

O senhor não respondeu ao mérito da pergunta anterior. Dá para dizer que se o BC baixasse mais rapidamente os juros não haveria nenhum efeito relevante sobre a inflação?

Se fosse essa a percepção, a decisão do BC teria sido diferente.

Até recentemente, a cada turbulência externa, o BC aumentava os juros. As condições externas melhoraram muito, o índice de risco Brasil está abaixo dos 290 pontos, há farta liquidez externa e não há risco visível de fuga de capitais. Mas os juros reais continuam em torno dos 13% ao ano. Por quê?

O BC se encarrega de fixar os juros de curto prazo. Mas os juros que têm mais impacto sobre a economia são os de médio e de longo prazos fixados pelo mercado. Todas as vezes que o Banco Central baixa os juros de forma voluntarista e inconsistente, o mercado reage. Identifica um aumento da inflação futura e puxa para cima os juros de prazos mais longos. Os juros reais (descontada a inflação) de longo prazo estão caindo no Brasil. Nossa expectativa é de que continuarão caindo na medida em que a inflação convirja para a meta; na medida em que os riscos macroeconômicos estejam diminuindo e na medida em que a política fiscal seja mantida.

Neste ano, os preços administrados não vão atrapalhar o controle da inflação. Ao contrário, deverão trabalhar a favor, porque o IGP-M teve uma variação de apenas 1,2% em doze meses. Por que o BC não considera essa moleza, digamos assim, e não derruba mais rapidamente os juros?

Esse fator também é levado em conta pelo Copom.

Por que os juros no Brasil têm de ser tão mais altos do que no resto do mundo?

Algumas explicações para isso não exaurem a questão: a dívida pública em relação ao PIB ainda é alta, embora cadente; a despesa pública ainda é relativamente alta em comparação com outros países similares ao Brasil; tivemos no passado alta volatilidade inflacionária que empurrou para cima os prêmios de risco; há enormes distorções no mercado de crédito; e temos nossa história de crises periódicas. É importante discutir e atacar as razões pelas quais os juros são tão altos. Mas não é produtivo achar que o BC tenha o condão mágico que baixe os juros de forma artificial e voluntarista e que seremos felizes para sempre.

O ex-ministro Delfim Netto diz que o BC pratica tarô quando define que o crescimento potencial do Brasil não passa dos 3,5%. Por que o fiel aliado do governo Lula está errado?

Não vou cometer a leviandade de comentar declarações apenas por ouvir falar. Na sua tarefa de conter a inflação, o BC não trabalha com produto potencial. Não há esses 3,5% como limite para o crescimento. O Relatório de Inflação prevê para 2006 crescimento econômico de 4%.

Economistas de primeira linha não entendem como o Brasil cresce a passo de tartaruga enquanto tantos países emergentes vão crescendo a mais de 5% ao ano. Como isso está acontecendo pela política de juros, o senhor não sente que está atrasando a caminhada do Brasil?

Não. Os juros no Brasil são conseqüência dos nossos problemas, e não causa deles.

Ninguém acredita que, no câmbio, o Banco Central esteja apenas recompondo reservas, sem se interessar por evitar o mergulho do dólar. Se a excessiva valorização do real é ruim para a economia por que o Banco Central não admite que está empenhado em evitá-la?

O Banco Central trabalha com metas de inflação; não trabalha com metas de câmbio. Não pode ter metas conflitantes. Em janeiro de 2004 anunciou objetivos na área cambial: aumento do nível de reservas e diminuição da exposição cambial na dívida pública brasileira. Está obtendo sucesso nisso. É só conferir o nível de reservas e a impressionante diminuição da vulnerabilidade na exposição cambial.

Qual é o nível adequado de reservas?

Não há um número que a priori defina esse nível. Os países que atingiram esse nível só concluíram que estava adequado depois que o atingiram.

Se neste ano o Banco Central comprar o mesmo volume de dólares que comprou em 2005, chegaremos a mais de US$ 80 bilhões em reservas. Não seria demais?

Quando verificar que o nível de reservas ficou adequado, o BC vai anunciá-lo.

Algumas análises apontam cerca de US$ 70 bilhões em apostas no câmbio futuro a favor da valorização do real, sem entrada relevante de dólares no País. Até que ponto a especulação com a diferença de juros internos e externos determina o câmbio?

Nas reuniões de Basiléia, os bancos centrais analisam isso a cada 60 dias. Há alguns meses, argumentava-se que o principal fator de alta do petróleo eram as compras especulativas feitas pelos fundos de hedge no mercado de derivativos. Depois se viu que as apostas só têm influência nos preços à vista quando se baseiam nos fundamentos do mercado. No caso do petróleo, havia um forte componente de aumento da demanda, que prevalece até hoje. No caso do dólar, repete-se a questão dos fundamentos: as apostas na valorização do real refletem a forte redução da vulnerabilidade externa, que está relacionada com o comportamento exuberante das exportações. Não há operações no mercado de derivativos que se sustentem se forem realizadas contra os fundamentos.

Se os fundamentos apontam para a valorização do real, a atuação do Banco Central no mercado de câmbio conseguirá inverter essa tendência?

Não. Quando se propôs a comprar moeda estrangeira, o Banco Central avisou que não tentaria mudar a tendência. Tentativas, no Brasil e em outros países, no sentido de controlar a tendência do câmbio acabaram em fracasso.

Então, a tendência ainda é de valorização do real, tendência que o BC não conseguirá inverter…

Há dois anos, uma reunião de presidentes de bancos centrais terminou num jantar. Lá pelas tantas, um deles fez uma pergunta para os demais…

Esse presidente é Alan Greenspan?

Perguntou para que, afinal, servem os mercados de câmbio. Cada um dos presentes apresentou sua opinião. Ao final, esse presidente deu sua opinião: "Os mercados de câmbio existem para manter os economistas e presidentes de bancos centrais mais humildes". Enfim, presidente de banco central não deve fazer previsões sobre câmbio.

Não está na hora de uma radical reforma do câmbio que libere a compra de dólares?

A Fiesp encaminhou projeto de reforma cambial que o governo está estudando. A legislação cambial é muito antiga, alguns decretos vêm da década de 30 e precisam de modernização.

Agora que estamos perto de zerar a dívida interna em dólares, o que fazer para impedir que o dólar afunde?

Outra vez, o BC não tem meta de câmbio. Se, no futuro, o governo entender que isso deve ser feito, o BC vai ajudar. Mas anunciar prematuramente algum plano iria contra práticas de boa governança de um banco central. Se saírem notícias de que o BC está estudando coisas assim, pode crer que é boato. Estudos de matérias sensíveis são feitos rapidamente e se houver decisão, será logo anunciada, para evitar especulações.

O ministro Furlan (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) tem dito que não faz sentido produzir superávit comercial tão alto, de US$ 45 bilhões, como o de 2005. O senhor defenderia estímulos às importações?

O que é importante é o aumento do fluxo de comércio, o que implica aumento não só de exportações, mas também de importações. Nesse aspecto, o aumento das importações é bem-vindo e concordamos com o ministro Furlan. Incentivo talvez não seja a palavra correta. Mais apropriado é dizer que é preciso reduzir os impedimentos para importar.

O senhor prevê que a campanha eleitoral deste ano produzirá turbulências na economia brasileira?

Não vejo como possa produzir estragos que a enorme crise política do ano passado não conseguiu produzir.

Se confirmar sua candidatura ao segundo mandato, o senhor aconselharia o presidente Lula a assinar outra Carta ao Povo Brasileiro para reafirmar os compromissos de austeridade fiscal e pagamento da dívida pública?

Após três anos de administração econômica responsável não há necessidade de reafirmar esses compromissos.

Voltar ao topo