Obras

Ninguém quer construir para o Estado

Há pouco mais de três anos, a Polícia Civil deflagrou uma operação que desarticulou um esquema envolvendo empreiteiras que realizavam obras públicas no Paraná (ver matéria o lado).

Na época, o governador Roberto Requião (PMDB) declarou que as empresas articularam-se para não participar de concorrências e esvaziavam licitações, obrigando o Estado a aumentar os preços, para que elas aparecessem.

Hoje, o preço é uma das principais causas de novos esvaziamentos nas licitações realizadas no Estado. Não há, porém, indícios de esquema. Dessa vez, é a boa fase do mercado de construção civil o motivo da falta de empreiteiras interessadas em tocar obras públicas no Paraná.

A falta de empreiteiras vem sendo amplamente divulgada por membros do governo, inclusive pelo governador Roberto Requião, que recentemente fez apelos às construtoras para que participem das licitações, freqüentemente anuladas por falta de concorrência.

Até o final de 2008, a Secretaria de Obras Públicas (Seop) prevê mais de 200 processos de licitação, como lotes da construção de quadras cobertas em escolas estaduais, fora obras programadas para 2009, como bibliotecas, centros de saúde, escolas municipais e especiais. Mas muitas dessas obras correm o risco de não sair do papel.

“Verificamos que faltam empresas para construir as obras que estamos realizando”, disse Requião durante uma recente escola de governo. “Muitas licitações tiveram a participação de apenas uma empresa. Assim, desaparece a concorrência, não há competição, e fui obrigado a anular essas licitações.”

O secretário de Obras Públicas, Júlio Araújo Filho, informou, também recentemente, que a Seop está licitando aproximadamente quatro obras por dia, e que o governo “está fazendo mais obras do que as empresas têm capacidade de absorver”.

O setor empresarial confirma a informação do secretário, e dá os seus motivos. “O mercado atual está aquecido, com mais alternativas”, explica o vice-presidente da área de Obras Públicas do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR), José Eugênio Gizzi.

“Ninguém gosta de recusar obras, mas as empresas têm um limite de capacidade operacional, e acabam optando pelos melhores contratos”, completa. Gizzi diz que entende que os governos não podem extrapolar os orçamentos anuais para melhorar os valores das licitações, e ressalta que a Seop promoveu, recentemente, uma melhoria nos preços, mas que acabou sendo insuficiente ante a situação atual do mercado.

Outro problema é causado pelos preços dos insumos que, segundo ele, têm aumentado “três ou quatro vezes por ano”. Em contrapartida, a legislação federal impede que os valores dos contratos de obras públicas tenham seu valor alterado antes do primeiro ano da vigência dos contratos.

“O aço, por exemplo, não espera um ano para manter o preço”, diz, enquanto a Seop alega que, desde setembro, trabalha com planilha orçamentária atualizada, e que os valores são “justos”.

Como se as oscilações de mercado não bastassem, a política do governo do Estado em relação às licitações tem dificultado ainda mais as contratações de empreiteiras.

Segundo Gizzi, em busca de descontos significativos nos preços oferecidos, o governo não tem fechado contratos quando as licitações têm número pequeno de concorrentes “embora a legislação federal permita isso”, diz. “Como as empresas têm custos para participar das concorrências, começam a se sentir inseguras. Mesmo se ganham, não sabem se vão levar”, observa.

A reportagem de O Estado também procurou a Associação Paranaense das Empreiteiras de Obras Públicas (Apeop) para falar sobre o assunto, mas ninguém da entidade deu retorno às várias ligações efetuadas.

Governo não consegue terminar obras iniciadas

Nem só as obras novas estão com problemas. A própria Secretaria de Estado de Obras Públicas (Seop) admite paralisações: são 64 empreendimentos parados, de um total de 676 administrados ou fiscalizados pelo órgão.

Outros vão ainda mais longe: o deputado Reni Pereira (PSB), integrante da Comissão de Fiscalização da Assembléia Legislativa, declarou esta semana que cerca de 600 obras estão paralisadas em todo o Paraná. A comissão está fazendo um levantamento sobre as obras.

No site da Seop (seop.pr.gov.br) podem ser conferidas algumas das obras atrasadas. Basta, para isso, clicar no selo “Foco na Obra”.

A reportagem de O Estado encontrou pelo menos 10 delas, que vão de escolas a hospitais – três em Londrina – e centros socioeducativos – um em Piraquara e outro em Maringá.

As obras do Centro de Socioeducação de Maringá, por exemplo, estão paradas há pelo menos sete meses.

Enquanto o prédio não fica pronto, os adolescentes infratores ficam na delegacia da cidade.

Uma das construtoras que participam de pelo menos quatro dessas obras, a CTO – Construtora Técnica de Obras Civis Ltda, do Estado de São Paulo, está, segundo a Seop, com problemas financeiros.

Os contratos de suas obras foram rescindidos, ou estão em processo de rescisão. Atualmente, seis construtoras e seus representantes estão suspensos por paralisarem obras do governo do Estado.

A assessoria de comunicação da Seop ressaltou, em comunicado, que nem todas as obras atrasadas são de total responsabilidade sua: 58% são “frutos de convênios entre as secretarias de Estado e as prefeituras municipais, em que a Seop tem a responsabilidade somente de fiscalização”.

Apenas o restante é que são contratos em que o órgão é responsável “desde a licitação, administração e fiscalização da obra”. Dos empreendimentos paralisados, a maioria (quase 80%), segundo a Secretaria, são convênios.

O comunicado ainda explica que os motivos das paralisações são diversos: vão “desde problemas financeiros enfrentados pela empresa durante a execução da obra, equívoco das empresas quando da verificação das planilhas orçamentárias para participação nas licitações, bem como, excepcionalmente, alterações do objeto do contrato, que podem gerar aditivos de prazo e de valor”.

E indica que, quando não há cumprimento de prazos ou dos requisitos de qualidade, a empresa é notificada e pode até ter suspensos os “direitos de contratar e subcontratar com a administração pública estadual pelo período mínimo de dois anos”.

Um “esquemão” ainda sem solução

Um fato que abalou o setor de obras públicas há cerca de três anos continua sem solução. Em junho de 2005, foi deflagrada, por uma força-tarefa formada pela Polícia Civil – a operação Grande Empreitada – que levou à prisão empresários e servidores públicos paranaenses, acusados de participar de um esquema que fraudava licitações de obras.

Na época, o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, revelou que as investigações partiram de desconfianças do governador Roberto Requião em relação a empresas ligadas à Associação Paranaense das Empreiteiras de Obras Públicas (Apeop) envolvidas em fraudes. Hoje, nenhum dos 29 denunciados pelo Ministério Público (MP) do Paraná continua preso.

De acordo com o MP, o processo ainda está em fase de defesas preliminares, das quais os acusados estão sendo notificados. Nem as testemunhas de acusação e defesa foram interrogadas.

O promotor do caso é Henrique Cleto. Segundo o delegado do Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), Sérgio Sirino, o trabalho da polícia terminou com as prisões.

A reportagem de O Estado não conseguiu contato com ninguém na Apeop, apesar de toda a diretoria ter sido mudada desde a época da operação. O presidente atual da Associação, José Alberto Pereira Ribeiro, não retornou nenhuma das várias ligações da reportagem.